Vigário Regional em Portugal entrevistado pela “Visão”

Nesta entrevista Mons. António Barbosa, explica que pode pertencer ao Opus Dei “qualquer fiel cristão que esteja disposto a praticar o espírito do Opus Dei, que consiste em ter uma vida espiritual, santificar-se através do cumprimento dos deveres profissionais e familiares e dar testemunho de fé.”

Que comportamentos assume o Opus Dei para que muitos sectores, incluindo católicos, o identifiquem como sociedade secreta?

Não temos nada a ver com essa condição, porque, sendo o Opus Dei uma estrutura eclesial, não é compaginável com uma situação de secretismo. Nem individualmente nem colectivamente, as pessoas do Opus Dei fazem qualquer segredo das suas actividades e iniciativas.

Ainda que negue a existência de secretismo no Opus Dei, não estamos, de facto, perante uma “maçonaria católica”?

Penso que sejam inconciliáveis as duas realidades, maçonaria e catolicismo. Este, pela sua própria vertente, é uma explosão de amor. Exige o encontro com o outro e, por conseguinte, não há nunca qualquer possível reserva, nem mental nem de actuação em relação ao serviço que os cristãos têm de prestar aos seus irmãos e a toda a humanidade.

Alguma vez o Opus Dei se aproximou de qualquer membro da maçonaria?

Não me consta que essa seja uma atitude consciente. Os membros do Opus Dei dão-se com toda a gente, evidentemente, mas não com membros de uma associação, que, na sua história, contrariou muitas vezes os objectivos da Igreja, quer pela sua doutrina quer pela sua actuação.

Sabe que também a maçonaria não gosta de ser associada ao Opus Dei?

Esse conhecimento não o tenho de fonte directa. No entanto, admito que não se queiram envolver para marcarem uma atitude diferente do ponto de vista doutrinal e de actuação.

O que pretende, afinal, o Opus Dei? Ser uma frente conservadora da Igreja Católica?

O Opus Dei pretende prestar um serviço à humanidade, que não é diferente do que a Igreja presta. O chamamento universal à santidade apresenta-se, de facto, como uma novidade no tempo em que o beato Escrivá começou a sua pregação, que é em tudo semelhante ao Evangelho. Aliás, ele socorria-se muitas vezes do exemplo dos primeiros cristãos como modelo para os membros do Opus Dei.

Há uma nova estratégia do Opus Dei ao querer revelar-se agora para o exterior?

Eu não diria que é uma nova atitude. Julgo que houve uma época em que uma outra posição podia ter alguma coisa a ver com a realidade.

Havia mais reserva?

Não havia mais reserva. O fundador explicava isto de uma outra maneira. O segredo do Opus Dei é semelhante ao segredo de uma mulher grávida, que ao fim de nove meses dá a conhecer o fenómeno. É natural que, quando se inicia um processo, ele não seja visível, mas a partir de certa altura, é evidente que já não se pode esconder.

Quem pode ser membro do Opus Dei?

Qualquer fiel cristão que esteja disposto a praticar o espírito do Opus Dei, que consiste em ter uma vida espiritual, santificar-se através do cumprimento dos deveres profissionais e familiares e dar testemunho de fé.

Mas não é necessário ter estatuto social?

Não.

Não é preciso provir de uma família rica e de renome?

Não. É preciso ter 18 anos e sentir o apelo de Deus. No Opus Dei não há qualquer consideração especial pelo estatuto social, raça, profissão, condição de viúvo, sacerdote, casado ou celibatário. À semelhança da Igreja, não há nenhum género de discriminação.

Não se reservam nenhum requisito?

O único requisito é que o novo membro esteja livremente disposto a assimilar a formação que a Prelatura lhe proporciona.

Onde é feito preferencialmente o recrutamento dos membros do Opus Dei?

O recrutamento é feito através das próprias organizações da Igreja e das acções do Opus Dei, sobretudo de tipo formativo, abertas a qualquer cristão.

São citados nomes públicos como pertencentes ao Opus Dei, designadamente, Oliveira Dias, Mota Amaral, Teixeira Pinto, Pontes Leça e Jardim Gonçalves. Ramalho Eanes e António Guterres pertencem também ao Opus Dei?

O general Ramalho Eanes não pertence ao Opus Dei. Sabemos que tem estima pela instituição, tendo já participado em iniciativas da Obra. António Guterres nunca pertenceu ao Opus Dei, nem nos seus tempos de juventude.

Mota Amaral foi eleito presidente da AR. Foi uma vitória do Opus Dei?

Não foi nenhuma vitória. No Opus Dei não temos medalhas, não fazemos comemorações, não felicitamos, não há óscares nem globos ou coisas do género. Quando algum dos seus membros tem êxito aos olhos da opinião pública, estamos prontos a ajudá-lo, a fim de que, do ponto de vista cristão, possa servir a sociedade e a pátria.

Como convive o Opus Dei com o actual governo?

Não temos nenhuma espécie de convívio com o actual governo, não o tivemos com o anterior nem com o que possa vir. Os membros da Prelatura, de acordo com a legitimidade democrática, fazem as suas opções tendo em conta a doutrina social da Igreja. As opções são feitas exclusivamente em nome da liberdade pessoal.

Perante a globalização e o neoliberalismo económico, sente que é chegada a hora do Opus Dei?

Não. Há princípios que são aceites mas que devem ser reformáveis. Pelas capacidades individuais e pela possibilidade de intervirem na res publica, os membros têm a obrigação de evitar que se continue a persistir em princípios enganosos.

O Opus Dei está preocupado com a crise que atinge o país neste momento?

Sentimos, como instituição da Igreja, que há situações que têm de ser ultrapassadas. Vemos, por exemplo, a preocupação das famílias no que diz respeito ao ensino, onde as coisas que não estão nada satisfatórias.

O Opus Dei tem posição sobre a guerra do Iraque?

O Opus Dei enquanto instituição não tem nenhuma posição a não ser a que o Papa tomou. É preciso encontrar outra maneira de resolver este tipo de situações, porque certamente não é com bombas que isto se resolve.

A pedofilia tocou também o Opus Dei?

Por graça de Deus, passámos ao lado dessa tragédia.

Porque mantém ainda o Opus Dei nas suas casas a separação de sexos?

Esta é uma questão fundacional. Não é nenhuma originalidade do Opus Dei. Mas é de prever que o que é verdadeiramente funcional não mude. Para isso seria preciso que mudasse a chamada natureza humana.

Que sentido têm as flagelações e os cilícios usados por alguns membros?

Há uma experiência que não é só monacal ou de pessoas consagradas, no que diz respeito à ascese cristã, que pode conduzir a estas práticas. Trata-se de uma apetência meramente pessoal.

Há também imposição de orações especiais no quotidiano?

Há um programa flexível. O fundador comparava-o a uma luva que se adapta perfeitamente à mão.

António Arnaut, dirigente da Maçonaria, diz que o Opus Dei quer produzir alguns santos e mandar outros para o inferno...

Só posso lembrar-lhe uma coisa: no céu só estão as pessoas que lá querem estar. Esta premissa também é válida em relação ao inferno. O nosso papel é levar as pessoas para o céu.

A que distância está o Opus Dei de ser considerado uma organização fundamentalista?

Pela nossa diversidade, não é possível o fundamentalismo. Nós não temos nenhum objectivo comum que não seja o serviço à Igreja. As leis da Igreja devem ser a nossa condição de católicos.

O Opus Dei tem os padres de que precisa?

Hoje na Igreja rezamos diariamente para que venham mais sacerdotes. Sem padres não podemos ter vida cristã.

Onde são formados e por quem?

São formados na própria instituição, em seminários próprios da Prelatura. São recrutados entre os numerários e os agregados. Além da formatura em Teologia têm também acesso a uma formatura civil, a fim de que não haja classes entre o clero. No Opus Dei não há todavia diáconos permanentes.

Quem controla os padres do Opus Dei?

No que diz respeito às suas tarefas na Prelatura, dependem do prelado que está em Roma. Em cada país dependem do vigário regional.

De que vive o Opus Dei?

Vive do resultado do trabalho de cada pessoa.

Os membros do Opus Dei pagam algum imposto à Prelatura?

Os membros que têm obrigações familiares podem dar aquilo que se chama donativo, segundo a sua generosidade. Se o Opus Dei é uma parcela da Igreja com a finalidade de ajudar os cristãos a serem mais Igreja, isso tem um preço.

Robert Hutchison, autor de “O Mundo Secreto do Opus Dei”, escreve que esta é a organização mais próspera depois dos cavaleiros templários. Tem algum sentido esta afirmação?

É possível que a história diga isso, mas o Opus Dei não se pode medir dessa maneira. O Opus Dei não tem nenhuma intervenção nessa área, nem procura ter qualquer influência nesse ponto de vista. A sua influência é meramente espiritual.

Mas há uma nítida permeabilização do Opus Dei nos meios financeiros...

Isso vai por modas. É o caso de Portugal. Se há um banqueiro que pertence ao Opus Dei, também há outros banqueiros que não pertencem. E a grande maioria dos membros são da classe média.

No organograma da Obra surge como figura central o director espiritual, encarregado da orientação dos membros para uma obediência cega. Que espaço resta para a autonomia da consciência pessoal?

A autonomia da consciência pessoal é qualquer coisa de intocável do ponto de vista católico. Cada um deve seguir a sua consciência e essa consciência deve estar bem formada de acordo com a doutrina da Igreja.

Mas o director espiritual não é um sacerdote?

No sentido clássico, seria um sacerdote. Aqui nunca o é, porque o padre não tem tarefa de governo nem de direcção. A sua tarefa é de fortalecimento da vida sacramental e da administração da penitência. A direcção do Opus Dei é constituída por leigos e aqui dá-se sempre a última chance à liberdade pessoal.

A direcção do Opus Dei é constituída por leigos mas o presidente é um bispo?

Por uma condição absolutamente necessária. Sendo ele a presidir aos destinos de uma instituição e sendo a fonte da vida sacramental da própria Igreja, neste caso reveste-se um interesse particular, na medida em que para ordenar os sacerdotes não precisa de se valer de bispos que não pertencem à instituição.

Que pecados é preciso cometer para se ser expulso do Opus Dei?

Pecados em sentido próprio, todos têm perdão, desde que haja arrependimento. Para a exclusão, seria necessário haver uma atitude permanente de desajuste com a doutrina da Igreja ou com um aspecto principal da instituição.

Como comenta a tese de que o Vaticano instituiu a Prelatura Pessoal e promoveu a canonização de Monsenhor Escrivá a troco da colaboração financeira da banca do Opus Dei ao Solidariedade polaco nos anos 80?

Quem o diz não tem noção absolutamente nenhuma do que é o Opus Dei. Certamente nunca fez, nem nunca fará qualquer coisa desse género. Refiro-me ao passado, ao presente e ao futuro. Há determinado tipo de situações que são incompatíveis. É inaceitável que alguma vez os directores do Opus Dei tenham tomado qualquer iniciativa deste género, na política, na área económica e financeira. Nesse mesmo instante destruíam o Opus Dei.

O Opus Dei aconselharia João Paulo II a resignar?

O papa já disse que não resignava e, olhando para o exemplo de João Paulo II, não podemos deixar de ficar maravilhados. Para quem ache que a vida vale desde o momento da gestação até ao momento em que Deus nos chama, este é um testemunho fabuloso.

O Opus Dei vai avançar com um projecto social em África. A Obra sustentaria uma campanha pelo preservativo contra a Sida no continente Africano?

No que diz respeito ao mau uso da sexualidade, a resposta é aquela que tem sido criteriosamente dita, não. Isso não é solução, nem método.

“Visão”, 26.09.2002// Entrevista por Manuel Vilas-Boas.