"Obrigado!"

Na sua última audiência geral de quarta-feira (no passado dia 27 de Fevereiro), Bento XVI despediu-se dos numerosos fiéis que enchiam a praça. Num discurso muito positivo, recordou que é Deus que apoia a Igreja.

Agradeço-vos por terem vindo em tão grande número a esta última audiência geral do meu Pontificado. Agradeço-vos de coração, estou realmente comovido. Vejo a Igreja viva. Penso que temos que dar graças ao Criador, pelo bom clima que com que nos presenteou, quando estamos ainda no inverno.  

Como diz o apóstolo Paulo no texto que ouvimos, também eu sinto no meu coração o dever, sobretudo, de dar graças a Deus, que guia e faz crescer a Igreja, que semeia a Sua Palavra e, assim, alimenta a fé do Seu Povo. Neste momento o meu espírito dilata-se para abraçar toda a Igreja repartida pelo mundo; dou graças a Deus pelas notícias que pude receber durante estes anos de ministério petrino sobre a fé em Nosso Senhor Jesus Cristo, e sobre a caridade que circula verdadeiramente no Corpo da Igreja e a faz viver no amor, e sobre a esperança que nos abre e orienta para uma vida plena, para a pátria do Céu.

Tenho-vos a todos presentes na minha oração, num presente que é o de Deus, onde recordo cada encontro, cada viagem, cada visita pastoral. Uno na oração tudo e todos para os encomendar ao Senhor: “para que Deus vos faça conhecer perfeitamente a Sua vontade, e vos dê a sabedoria e o sentido das coisas espirituais com abundância. Podereis, assim, comportar-vos de uma maneira digna do Senhor, agradando-Lhe em tudo, frutificando em todo tipo de boas obras” (Col. 1, 9-10).

Neste momento, tenho uma grande confiança, porque sei – sabemo-lo todos – que a Palavra da Verdade do Evangelho é a força da Igreja, a sua Vida. O Evangelho purifica e renova, dá fruto, ali onde a comunidade dos crentes o escuta, acolhe a graça de Deus na verdade e vive na caridade. Esta é a minha confiança, esta é a minha alegria.

Quando em 19 de abril de há quase oito anos aceitei assumir o ministério petrino, tive uma certeza que nunca me abandonou. Nesse momento, como expliquei noutras ocasiões, as palavras que ressoam no meu coração foram: ‘Senhor, porque me pedes isto e que me pedes? É um peso grande o que carregas sobre os meus ombros, mas se Tu o pedes, pela Tua Palavra lançarei as redes, seguro de que Tu me guiarás, apesar de todas as minhas debilidades’. Oito anos depois, posso dizer que o Senhor me guiou verdadeiramente, esteve perto de mim, pude sentir diariamente a Sua presença. Foi um episódio em que o caminho que a Igreja percorre, em que houve momentos de alegria e de luz, mas também momentos não fáceis; senti-me como São Pedro com os Apóstolos na barca no lago da Galileia: o Senhor deu-nos tantos dias de sol e de brisa fresca, dias em que a pesca foi abundante; houve também momentos em que as águas estavam agitadas e o vento era contrário, como em toda a história da Igreja, o Senhor parecia dormir. Mas eu soube sempre que nesta barca está o Senhor. Soube sempre que a barca da Igreja não é minha, não é nossa, mas Sua, e Ele não permitirá que se afunde. É Ele que a conduz, certamente por meio de homens que escolheu, porque assim o quis. Esta foi e é uma certeza, que nada pode ofuscar. E por isso hoje o meu coração está cheio de agradecimento a Deus porque nunca retirou, nem a mim, nem à Igreja o Seu consolo, a Sua luz, o Seu amor.

Estamos no Ano da Fé, que quis convocar para reforçar a nossa fé em Deus, num contexto que parece pô-Lo cada vez mais em segundo plano. Gostaria de convidar todos a renovar uma firme confiança no Senhor, a confiarmo-nos como crianças nos braços de Deus, seguros de que esses braços nos seguram sempre e nos permitem caminhar, diariamente, apesar do cansaço. Gostaria que cada um se sentisse amado por esse Deus que nos deu o Seu Filho e que nos demonstrou o Seu amor sem limites. Gostaria que cada um experimentasse a alegria de ser cristão. Há uma bela oração para ser recitada pela manhã que diz: “Adoro-Te, meu Deus e amo-Te com todo o meu coração. Dou-Te graças por me teres criado, por me teres feito cristão…”.

Sim, estamos contentes por ter recebido o dom da fé, o bem mais valioso que ninguém nos pode arrebatar! Agradeçamo-lo ao Senhor todos os dias, com a oração e com uma vida cristã coerente. Deus ama-nos, mas espera que nós O amemos também.

Mas não quero agradecer unicamente a Deus. Um Papa não guia sozinho a barca de Pedro, embora seja ele o primeiro responsável; eu nunca me senti só ao levar a alegria e o peso do ministério petrino; o Senhor colocou junto de mim tantas pessoas que, com generosidade e amor a Deus e à Igreja me ajudaram e me apoiaram.

Em primeiro lugar, vós queridos cardiais; a vossa sabedoria, os vossos conselhos e a vossa amizade foram muito valiosos para mim; os meus colaboradores, começando pelo Secretário de Estado que me acompanhou com fidelidade durante estes anos; a Secretaria de Estado e toda a Cúria Romana, como também todos aqueles que, nas diferentes áreas, prestam o seu serviço à Santa Sé; há tantos rostos que não aparecem, que trabalham ocultos, mas no silêncio, na sua dedicação diária, com espírito de fé e humildade foram para mim uma ajuda segura e fiável. Ocupa um lugar especial a Igreja de Roma, a minha diocese. Não posso esquecer os meus irmãos no Episcopado e Presbiterado, as pessoas consagradas e todo o Povo de Deus; nas visitas pastorais, nas audiências e nas viagens apercebi-me sempre da grande dedicação e afeto; mas ao mesmo tempo eu também quis muito a todos e a cada um, sem distinções, com a caridade pastoral que existe no coração de cada Pastor, especialmente no Bispo de Roma, no sucessor do Apóstolo Pedro.

Rezei todos os dias por cada um de vós, com o coração de um pai. Gostaria que a minha saudação e o meu agradecimento chegassem a todos; o coração de um Papa dilata-se para abarcar todo o mundo. Gostaria de agradecer ao Corpo Diplomático junto da Santa Sé, que torna presente a grande família das nações. Vêm-me também à ideia todos aqueles que trabalham para as comunicações, a quem agradeço pelo seu importante serviço. Gostaria agora também de agradecer de coração às numerosas pessoas em todo o mundo que, durante as últimas semanas, me enviaram demonstrações carinhosas de afeto, amizade e oração. Sim, o Papa nunca está só; experimento-o agora de forma tão clara, que me toca o coração. O Papa pertence a todos e muitas pessoas sabem-se dele. É verdade que recebo muitas cartas dos grandes do mundo – desde chefes de Estado a líderes religiosos, representantes do mundo da cultura, etc. Mas recebo também muitas cartas de pessoas simples que me escrevem simplesmente com o coração e me fazem sentir o seu afeto, um afeto que nasce de uma vida junto de Cristo Jesus, na Igreja. Estas pessoas não me escrevem como se escreve, por exemplo, a um príncipe ou a uma personalidade que se não conhece. Não, escrevem-me como irmãos ou irmãs, como filhos e filhas, que se sabem unidos por um laço familiar muito afetuoso. Aqui se pode experimentar o que é a Igreja; não uma organização, não uma associação com fins religiosos ou humanitários, mas um Corpo vivo, uma comunhão de irmãos e irmãs no Corpo de Jesus Cristo, que une a todos. Experimentar a Igreja deste modo e poder quase tocar fisicamente a força da sua verdade e do seu amor, é um motivo de alegria, num tempo em que tantos falam do seu declínio.

Nestes últimos meses senti que as minhas forças iam diminuindo, e pedi a Deus, insistentemente na oração, que me iluminasse com a Sua luz para que pudesse tomar a decisão mais justa, não para o meu bem mas para o bem da Igreja. Dei esse passo conhecendo plenamente a sua gravidade e a sua inovação, mas também com uma profunda serenidade de espírito. Amar a Igreja significa também ter a coragem de tomar decisões difíceis, sofridas, tendo sempre presente o bem da Igreja e não o de si próprio. Permiti-me que volte de novo ao dia 19 de abril de 2005. A gravidade da decisão dependia justamente do facto de que a partir desse momento me tinha comprometido sempre e para sempre com o Senhor. Sempre, quer dizer, o ministério petrino implica que não se tem qualquer privacidade. Pertence-se sempre e totalmente a todos, a toda a Igreja. À sua vida é retirada, por assim dizer, a dimensão privada. Pude experimentar, e experimento-o precisamente agora, que se recebe a vida quando se a dá. Disse antes que muitas pessoas que amam o Senhor, amam também o Sucessor de Pedro e têm-lhe muita estima; que o Papa tem verdadeiramente irmãos e irmãs, filhos e filhas em todo o mundo e que se sente seguro no abraço da sua comunhão, porque não se pertence já a si próprio, pertence a todos e todos lhe pertencem. O “sempre” é também um “para sempre”, não se pode regressar à vida privada. A minha decisão de renunciar ao exercício ativo do ministério não altera este aspeto. Não regresso à vida privada, a uma vida de viagens, encontros, receções, conferências, etc. Não abandono a cruz, mas permaneço de um modo novo junto do Senhor Crucificado. Não possuirei já a potestade do ofício para o Governo da Igreja, mas no serviço da oração manter-me-ei, por assim dizer, no recinto de São Pedro.  Nisto, São Bento, cujo nome tenho como Papa, será sempre um grande exemplo para mim. Ele mostrou-nos um caminho para uma vida que, ativa ou passiva, pertence completamente à obra de Deus. Agradeço a todos e a cada um também pelo respeito e compreensão com que acolhestes esta decisão tão importante. Continuarei a acompanhar a Igreja no seu caminho com a oração e a reflexão, com a dedicação ao Senhor e à Sua Esposa com que procurei viver até agora, todos os dias, e que desejo viver sempre.

Peço-vos que vos recordeis de mim diante de Deus e, especialmente, que vos lembreis de rezar pelos Cardiais, chamados para uma tarefa tão importante, e pelo novo Sucessor do Apóstolo Pedro: que o Senhor o acompanhe com a luz e a força do Seu Espírito.

Invocamos a materna intercessão da Virgem Maria, Mãe de Deus e da Igreja, para que acompanhe cada um de nós e toda a comunidade da Igreja. A ela nos confiamos, com profunda confiança.

Queridos amigos! Deus guia a Sua Igreja, apoia-a sempre também e especialmente nos momentos difíceis. Não percamos de vista esta visão de fé, que é a única visão verdadeira no caminho da Igreja no mundo. No nosso coração, no coração de cada um de vós, haja sempre a alegre segurança de que o Senhor está junto de nós e não nos abandona, está perto e envolve-nos com o Seu amor. Obrigado!

* * *

No final dirigiu as seguintes palavras aos peregrinos de língua portuguesa:

Queridos irmãos e irmãs,

No dia dezanove de Abril de dois mil e cinco, quando abracei o ministério petrino, disse ao Senhor: «É um peso grande que colocais aos meus ombros! Mas, se mo pedis, confiado na vossa palavra, lançarei as redes, seguro de que me guiareis». E, nestes quase oito anos, sempre senti que, na barca, está o Senhor; e sempre soube que a barca da Igreja não é minha, não é nossa, mas do Senhor. Entretanto, não é só a Deus que quero agradecer neste momento. Um Papa não está sozinho na condução da barca de Pedro, embora lhe caiba a primeira responsabilidade; e o Senhor colocou ao meu lado muitas pessoas que me ajudaram e apoiaram. Porém, sentindo que as minhas forças tinham diminuído, pedi a Deus com insistência que me iluminasse com a sua luz para tomar a decisão mais justa, não para o meu bem, mas para o bem da Igreja. Dei este passo com plena consciência da sua gravidade e inovação, mas com uma profunda serenidade de espírito. 

* * *

Amados peregrinos de língua portuguesa, agradeço-vos o respeito e a compreensão com que acolhestes a minha decisão. Continuarei a acompanhar o caminho da Igreja, na oração e na reflexão, com a mesma dedicação ao Senhor e à sua Esposa com que vivi até agora e com que quero viver sempre. Peço que vos recordeis de mim diante de Deus e, sobretudo, que rezeis pelos Cardeais chamados a escolher o novo Sucessor do Apóstolo Pedro. Confio-vos ao Senhor, e a todos concedo a Bênção Apostólica.

vantican.va