Pode contar-nos, em resumo, a história do seu acidente?
No dia 19 de janeiro de 2010 sofri um acidente no qual feri a minha medula espinal e fiquei com uma deficiência. Tive que superar um longo processo de reabilitação e continuar com a vida, mas agora numa cadeira de rodas.
TIVE QUE SUPERAR UM LONGO PROCESSO DE REABILITAÇÃO E CONTINUAR COM A VIDA, MAS AGORA NUMA CADEIRA DE RODAS
Que mudou na sua vida?
Depois de uma experiência traumática - depois de um episódio difícil na vida – aprende-se a ver tudo com outra perspetiva: os problemas que antes nos tiravam a paz deixam de ser vistos dessa maneira.
A vida deu-me oportunidade de ser mais sensível perante o que me rodeia e com as pessoas. Como me dedico em grande parte a lidar com pessoas, isso ajudou-me, no sentido de que me identifico com essa vulnerabilidade que temos como pessoas. Caso contrário, dificilmente teria adquirido essa sensibilidade.
Depois do acidente, terminou o seu curso de Medicina e fez uma especialização em Psiquiatria. Quais são as suas próximas metas profissionais e pessoais?
Agora tenho que ganhar experiência pouco a pouco como psiquiatra. Vou fazendo um pouco mais de trabalho com pacientes no meu consultório e também me tornei conferencista, falando para jovens e para adultos. Tive a oportunidade de estar em vários fóruns compartilhando esse testemunho e o que aprendi durante esse processo.
ACABEI DE ENTRAR NA NATAÇÃO PARALÍMPICA E É UM DESAFIO PESSOAL DO PONTO DE VISTA DESPORTIVO
Agora encontrarei novos desafios. Acabei de entrar na natação paralímpica e é um desafio pessoal do ponto de vista desportivo.
Sabemos que cada ano recorda o acidente como se fosse um festejo ou um “dia de anos” e não como um dia fatídico…
Esse dia está longe de ser um momento em que me sinta triste ou que reviva a parte difícil que tudo isso implicou, é um dia de agradecimento. E é um dia para agradecer pois recebi outra oportunidade de continuar a viver, esse poderia ter sido o último dia da minha vida e no entanto não foi. Vejo-o como o primeiro dia desta nova vida. É ter um segundo aniversário e, portanto, dupla comemoração.
Nas suas conferências, é muito emocionante escutar que os seus amigos e familiares se esforçaram para lhe manifestar carinho e cuidado. Como se apercebeu do amor de Deus através dessas provas de afeto?
Realmente quando estava mais doente, no início de todo o processo, eu pedia a Deus que me ajudasse e dissesse onde ir. Às vezes esperamos que Deus se manifeste de uma forma demasiado pessoal , como se aparecesse e dissesse o que precisamos de ouvir, mas depois entendi que o amor de Deus se manifestava em primeiro lugar na família em que nasci e cresci; com os meus pais, irmãos, avós, tios: uma família cheia de pessoas valiosas.
Não poderia ter estado numa família mais adequada para enfrentar a adversidade. Além disso, é uma família que tem fé, e quando essa família nos ajuda a procurar a Deus no dia a dia, no viver quotidiano, temos tudo para sair de uma situação destas.
ENTENDI QUE O AMOR DE DEUS SE MANIFESTAVA EM PRIMEIRO LUGAR NA FAMÍLIA EM QUE NASCI E CRESCI
Da mesma forma com os meus amigos, essa rede de amizades que formamos com os anos. Quando estive mal, esses fios da rede uniram-se para me sustentar e creio que a amizade é isso afinal. A amizade é dar o ombro ao outro e apoiá-lo num momento difícil.
Muitas vezes convidam-no para dar palestras a jovens e além do impacto da história do acidente por si só, qual é a mensagem mais importante que os jovens que o escutam deviam levar?
A mensagem que cada pessoa pode levar deste testemunho parte da reflexão pessoal que fazem a partir de uma história. É uma história na qual falo de uma experiência humana, algo que foi doloroso, mas com o tempo fui adquirindo maior sentido, e hoje em dia me permite ver as coisas de outra maneira, com muito mais alegria, ser muito agradecido com a vida.
Mais do que dizer “eu ensino-te alguma coisa com o meu testemunho” quem escuta, partindo de uma história como a minha, pode ter uma reflexão profunda.
José Villela numa TED Talk
Sempre digo que não ouçam o meu testemunho como sempre escutam um texto, mas que procurem ouvi-lo com o coração, porque quando o ouvem dessa maneira conseguimos relacionar as coisas e pode criar-se uma reflexão valiosa.
Teve oportunidade de falar diante de muitas pessoas nas suas várias conferências, com certeza recebeu uma grande variedade de perguntas.
Uma das perguntas que mais me impressionaram e me fez pensar foi a que um miúdo me fez uma vez. Acredito que quando os ouvintes são mais jovens, são mais diretos e precisos nas suas perguntas, e este perguntou-me: “e já perdoou ao condutor do camião?” Para dizer a verdade, foi um momento em que me senti confrontado com essa tendência que temos os seres humanos para o ressentimento, para ficar com algo guardado e não deixar soltar.
UM MIÚDO PERGUNTOU-ME : “E JÁ PERDOOU AO CONDUTOR DO CAMIÃO?”
Nesse momento percebi que estava no processo de pedir a Deus que me ajudasse a ter esse amor, esse carinho e essa humildade para perdoar, nem tanto pelo motorista, mas para eu estar bem, às vezes pensamos que ao perdoar estamos fazendo um favor ao outro e na verdade estamos a fazê-lo a nós.
Com isso aprendi que o ressentimento não tem sentido na nossa vida, nos leva a viver com raiva, amargurados, cansados e temos que deixar ir soltar as coisas e dar um passo. Não é esquecer o que fizeram ou o que sofremos, porque não se trata de maltratar a memória, mas sim pelo amor que Deus tem, tanto à vítima como ao que causou o mal, podemos chegar ambos a estar em paz. Neste caso, o condutor faleceu e eu todos os dias o tenho a sua família no meu pensamento e nas minhas orações e obviamente peço que esteja com Deus.
Como distinguiria perdoar de esquecer?
O valor do perdão baseia-se em que não se esquece, pois esquecendo seria muito fácil perdoar, é por isso que se deve fazer um esforço consciente para adquirir essa capacidade. Nós, seres humanos, geralmente, somos muito egoístas e focados em nós mesmos, e por isso quando alguém nos magoa ou nos causa dor, custa-nos dizer “quero perdoar”. Mas quando se enfrenta uma situação assim em que as opções são ou viver ressentido ou perdoar e continuar em frente, percebe-se que não vale a pena pensar muito no que nos fizeram e essa é a diferença.