No cinquentenário do IESE

O Prelado do Opus Dei recorda os começos do IESE num artigo em que destaca o "afã de serviço" à sociedade que move esta instituição.

D. Javier Echevarría, Prelado do Opus Dei e Grande Chanceler da Universidade de Navarra

A minha primeira reacção, ao recordar que se cumprem cinquenta anos da fundação do IESE, foi de profunda gratidão a Deus pelas graças que derramou sobre muitas pessoas, servindo-Se deste centro universitário.

Recordo, além disso, o entusiasmo sobrenatural e humano de São Josemaria Escrivá de Balaguer quando impulsionou esta iniciativa. Estava consciente do bem que o IESE, inspirado pelo espírito do Evangelho, poderia levar á sociedade. Ao promover o seu começo, contemplava antecipadamente o desenvolvimento que, com o tempo, havia de alcançar uma instituição de elevado nível profissional, dedicada à formação e ao aperfeiçoamento de empresários e de executivos, que, no núcleo da sua missão, incluísse um claro afã de serviço e a vontade de dar ao seu trabalho uma orientação plenamente cristã e, portanto, verdadeiramente humana.

Desde os primeiros passos do IESE – que não teria sido possível sem o interesse da sociedade civil – fiéis do Opus Dei, Cooperadores e amigos, juntamente com muitas outras pessoas, apoiaram decididamente o projecto, conscientes de que contribuiria para desenvolver com rectidão o trabalho da direcção de empresas, consequentemente, a melhoria da sociedade. Para todos vai a minha oração e o meu pensamento agradecido; para os que ainda colaboram nessa actividade apostólica aqui em baixo e para os que continuam a empurrá-la do Céu.

Para além da vontade fundacional e da missão confiada ao IESE, este cinquentenário leva-me a rememorar alguns ensinamentos de São Josemaria, que estão no cerne da doutrina cristã sobre a santificação do trabalho corrente. Esses ensinamentos têm um valor permanente em todos os sectores da actividade humana; também, portanto, para quem se ocupa de tarefas de management. Constituem um ponto de referência para quem se esforça por melhorar esse campo profissional, cada vez mais importante para o desenvolvimento humano e social dos povos.

Amar as pessoas

Conservo muito vivas as imagens daquele dia de Outubro de 1972, em que São Josemaria manteve um expressivo diálogo com dirigentes do centro e com outros empresários na sede do IESE, durante a sua inolvidável catequese pela península ibérica. Um dos assistentes perguntou-lhe qual deveria ser a primeira virtude de um empresário. A resposta centrou-se na caridade, «porque só a justiça não chega», concretizou. Este foi um ensinamento constante do Fundador do Opus Dei, que afirmava que «a melhor caridade está em exceder-se generosamente na justiça» (1). Também comentava: «Justiça é dar a cada um o que é seu; mas eu acrescentaria que isto não basta. Por muito que cada um mereça, há que dar-lhe mais, porque cada alma é uma obra prima de Deus» (2).

É claro que a caridade não deve confundir-se com um vago sentimento de solidariedade com as pessoas ou os povos necessitados, mas longínquos. Não, refiro-me à verdadeira solidariedade cristã, sobre a qual João Paulo II nos deixou ensinamentos de grande profundidade. É humano compadecer-se com as necessidades alheias; no entanto, a caridade supõe muito mais. «A caridade de Cristo não é só um bom sentimento em relação ao próximo; não termina no gosto pela filantropia. A caridade, infundida por Deus na alma, transforma a partir de dentro a inteligência e a vontade, fundamenta sobrenaturalmente a amizade e a alegria de fazer o bem (…). A caridade cristã não se limita a socorrer o necessitado de bens económicos; dirige-se, antes de mais, a respeitar e compreender cada individuo enquanto tal, na sua intrínseca dignidade humana e de filho ou filha do Criador» (3).

Para além dos projectos ambiciosos e da consecução de grandes benefícios, o mais importante numa empresa concretiza-se em promover o bem das pessoas que ali exercem a sua actividade ou mantêm relações mais ou menos estreitas com essa iniciativa. Não se pode pôr entre parêntesis – apesar das urgências e premências de uma competitividade exacerbada – essa exigência primordial da moral cristã, cuja essência e originalidade está em seguir e imitar Jesus Cristo, especialmente no Seu amor (4). Como ensinava o venerável Papa João Paulo II, «o modo de actuar de Jesus e as Suas palavras, as Suas acções e os Seus preceitos, constituem a regra moral da vida cristã» (5). Nessa actuação, composta de obras e de palavras, sempre com especial referência ao mandamento da caridade fraterna (cfr. Jn 13, 34-35), se revela de modo inequívoco o amor de Jesus ao Pai e aos homens e a primazia do amor. Também Bento XVI recordou com veemência que Deus é Amor (cfr. 1 Jn 4, 16). «E, posto que é Deus que nos amou primeiro (cfr. 1 Jn 4, 10), agora o amor já não é apenas um “mandamento”, mas a resposta ao dom do amor, com que vem ao nosso encontro» (6).

São Josemaria, pelo seu grande amor aos seus irmãos os homens, insistia no perene ensinamento cristão, que reconhece e afirma o valor intrínseco da pessoa e que exige o trato que corresponda a um ser criado à imagem de Deus, chamado a ser filha ou filho Seu. Isto implica não só o respeito de todos, sem manipulações nem manejos interessados; mas também querer de verdade a cada um, tanto quanto for possível em cada situação, começando pelos mais próximos e manifestando esse facto com obras concretas de serviço.

Profissionalismo, justiça e preocupação com todos

Um homem, uma mulher, com rectidão de intenção, com nobreza de alma, sabe procurar a justiça e fazer o bem no âmbito das relações laborais. Uma empresa correctamente orientada persegue o bem das pessoas, e não apenas umas meras e caducas satisfações materiais. A doutrina social da Igreja assinala que a actividade económica não há-de tender somente para multiplicar os bens produzidos, com o único objectivo de aumentar o lucro ou o poder, mas deve estar ordenada, antes de tudo, para o serviço das pessoas, de todo o homem e da inteira comunidade humana (7). Respeitar na prática os direitos dos trabalhadores, clientes, consumidores, responde a uma exigência de justiça, a uma responsabilidade precisa e universal. Essa meta de alcançar quanto contribua realmente para o bem dos que recebem os frutos de uma actividade, leva a ir para além do exclusivamente justo, é tornar mais humano este nosso mundo.

A integridade pessoal e a justiça, por serem necessárias em todas as relações humanas, também hão-de pôr-se em prática no âmbito da empresa. Não se pode esquecer que quem carece da vontade de dar a cada um o que é seu enquanto pessoa, empobrece-se a si mesmo e turva a convivência. E toda a injustiça gera desunião e tensões, que podem chegar a provocar graves violências.

São Josemaria referiu-se com frequência à importância de se ser sempre veraz e justo, quer no grande quer no pequeno. Gostava de detalhar situações concretas; e, como se lê numa das suas homilias, alentava a fazer «o propósito de não julgar os outros, de não ofender nem sequer com a dúvida, afogar o mal em abundância de bem, semeando à nossa volta a convivência leal, a justiça e a paz» (8).

Na empresa, como noutros âmbitos da existência humana, podem surgir circunstâncias que dificultam a harmonia entre as pessoas. Invejas, rancores, discórdias, agravos pessoais, e inclusivamente as lógicas diferenças de carácter ou de legítimos pontos de vista, podem tornar difícil a consecução de objectivos comuns e, sobretudo, o exercício da caridade cristã. São Josemaria, consciente desses riscos, animava a exercitar-se na caridade e nas virtudes que a acompanham – a disponibilidade para colaborar, a compreensão, a paciência, a capacidade de perdoar, etc. – que constituem o suporte do verdadeiro espírito de serviço. Afirmava: «Que difícil parece, às vezes, a tarefa de superar as barreiras, que impedem a convivência humana! E, no entanto, os cristãos estão chamados a realizar esse grande milagre da fraternidade, conseguir, com a graça de Deus, que os homens se tratem cristãmente, levando uns as cargas dos outros (cfr. Gal 6, 2), vivendo o mandamento do Amor, que é vínculo da perfeição e resumo da lei (cfr. Col 3,14; Rm 13, 10)» (9).

Unidade de vida

Outro ensinamento central de São Josemaria refere-se à unidade de vida; quer dizer, à coerência ou integridade cristã de todos os âmbitos da pessoa. Numa homilia pronunciada perante mais de vinte mil pessoas no Campus da Universidade de Navarra – no decurso do mês de Outubro de 1967 – condensou alguns rasgos essenciais deste espírito, que vinha difundindo desde o dia 2 de Outubro de 1928, data em que o Senhor lhe fez ver o Opus Dei. Recordava naquela ocasião que, desde os começos do seu trabalho apostólico, costumava dizer, aos que se aproximavam do seu labor pastoral, que «tinham que saber materializar a vida espiritual. Queria afastá-los assim da tentação, então tão frequente como agora, de levar como que uma vida dupla, a vida interior, a vida de relação com Deus, de um lado; e do outro, diferente e separada, a vida familiar, profissional e social, plena de pequenas realidades terrenas» (10).

Naquela homilia – fez há pouco quarenta anos – animava os assistentes a essa Santa Missa a cultivar uma forte unidade de vida entre a fé que professavam e o seu modo concreto de se comportarem, a ser coerentes com a sua condição de cristãos na família, no trabalho e na sociedade. E acrescentava com veemência: «Há uma única vida, feita de carne e espírito, e essa é a que tem que ser – na alma e no corpo – santa e cheia de Deus: a esse Deus invisível, encontramo-Lo nas coisas visíveis e materiais»(11).

Não assimilaria essa unidade de conduta própria do cristianismo quem se limitasse a cumprir os seus deveres para com Deus num âmbito exclusivamente “pessoal” – sendo inclusivamente generoso na ajuda material às iniciativas apostólicas – mas que fosse negligente em impregnar os seus deveres familiares, profissionais e sociais com o espírito do Evangelho. São Josemaria sofria pelo facto de que «muitos cristãos tinham perdido o convencimento de que a integridade de vida, reclamada pelo Senhor aos Seus filhos, exige um autêntico cuidado em realizar as suas próprias tarefas, que hão-de santificar, descendo aos pormenores mais pequenos. (…). O trabalho de cada um, essa tarefa que ocupa os nossos dias e energias, há-de ser una oferenda digna para o Criador, operatio Dei, trabalho de Deus e para Deus: numa palavra, uma tarefa cumprida, impecável» (12).

Também faltaria a este rasgo essencial de quem se sabe filho de Deus, a pessoa que sobressaísse numa actividade profissional na qual não tivesse acesso o espírito do Evangelho, ou em que se iludissem normas éticas básicas. Um cristão não pode deixar de o ser em nenhum momento, nem na empresa, nem em qualquer outro âmbito da sua existência. Além de conhecer a fundo os fundamentos da moral e especialmente as normas mais relacionadas com a sua profissão, tem o dever de ser prudente para não tomar decisões nem adoptar modelos de conduta ou esquemas organizativos, que possam prejudicar injustamente terceiros ou causar escândalo.

São Josemaria ensinou que uma consequência necessária do amor à liberdade pessoal é o pluralismo (13). Há muitos modelos de empresas e diversíssimos estilos de direcção; mas um homem de fé, um cristão de consciência recta e bem formada, responsável, procurará que todos esses aspectos sejam coerentes com a fé e a moral de Jesus Cristo. Consegui-lo-á se acerta em avaliar criticamente teorias e propostas, para as filtrar ou ajustar de acordo com uma visão cristã do homem e da empresa, de acordo com os grandes princípios e critérios da doutrina social da Igreja (14), em que encontrará orientações seguras para que o campo da sua iniciativa profissional seja um âmbito onde as pessoas cresçam em humanidade.

A chave está em aprofundar no sentido do próprio trabalho, meio para contribuir para o progresso da sociedade e instrumento fundamental de santificação pessoal e de apostolado, pois comporta múltiplas oportunidades de ajudar os outros com espírito de serviço. «Acostuma-te a referir tudo a Deus» (15), aconselhava São Josemaria. Era a fonte da sua grande certeza: «Quando um cristão desempenha com amor a mais intranscendente das acções diárias, aquilo transborda da transcendência de Deus» (16).

Realizado deste modo, o trabalho empresarial – além de conseguir êxitos económicos e sociais – consegue alcançar o maior benefício, encontrar-se com Deus, servi-Lo e amá-Lo; e fazer com que muitas pessoas encontrem o Senhor e aprendam a servi-Lo e a amá-Lo no âmbito da sua ocupação profissional e das múltiplas actividades da vida corrente. Numa palavra, converte-se realmente em instrumento para a santificação própria e dos outros.

(1) São Josemaria, Amigos de Deus, n. 83.

(2) Ibid.

(3) São Josemaria, Cristo que passa, nn. 71-72.

(4) Cfr. João Paulo II, encíclica Veritatis Splendor, 6-VIII-1993, n. 19.

(5) I bid., n. 20.

(6) Bento XVI, encíclica Deus Caritas Est, 25-XII-2005, n. 1.

(7) Cfr. Catecismo da Igreja Católica, n. 2426.

(8) São Josemaria, Cristo que passa, n. 72.

(9) Ibid., n. 157.

(10) Homilia “Amar o mundo apaixonadamente”, em Temas Actuais do Cristianismo

(11) Ibid.

(12) São Josemaria, Amigos de Deus, n. 55.

(13) Cfr. Temas Actuais do Cristianismo, cit., n. 67.

(14) Foram recompilados recentemente pela Comissão Pontifícia "Justiça e Paz” no Compêndio de Doutrina Social da Igreja.  Principia, 2005.

(15) São Josemaria, Sulco, n. 675.

(16) Temas Actuais do Cristianismo, cit., n. 116.

NT . O IESE é uma instituição espanhola ligada à Universidade de Navarra; para um conhecimento mais detalhado indica-se a ligação:

https://www.iese.edu/es/IESEExp/Welcome/WelcomeToIESE.asp

Em Portugal existe uma instituição – AESE – que persegue objectivos idênticos aos do IESE, contando com a colaboração científica permanente deste; para mais informações indica-se a ligação:

https://www.aese.pt/AESE_C00.aspx?cmnu=Root_AESE