Lazer, ecologia e trabalho segundo S. Josemaria Escrivá

Entrevista a Rafael Hernández Uriguen, autor de um livro publicado recentemente sobre a importância destes temas na vida e ensinamentos de S.Josemaria.

Rafael Hernández Uriguen

O descanso, o lazer, o meio ambiente e o trabalho como meios de santificação são temas que o fundador do Opus Dei abordou em várias ocasiões.

Hernández Uriguen, sacerdote, professor e capelão da School of Management Assistants (ISSA) de San Sebastián (Espanha), responde, nesta entrevista concedida à agência de notícias ZENIT, sobre estes aspetos recreativos e ecológicos de S. Josemaria Escrivá, compilados no seu livro "Juego, ecología y trabajo: tres temas teológicos desde las enseñanzas de San Josemaría Escrivá" (Editorial EUNSA).

ZENIT: Em geral, as pessoas relacionam o Opus Dei com o trabalho. O seu livro, no entanto, traz à tona a dimensão lúdica de S.Josemaria Escrivá.

Dr. Hernández: S.Josemaria sempre concebeu o trabalho como a matéria habitual de santificação para os leigos que seguem Jesus de Nazaré, principalmente nos anos de vida oculta – cerca de trinta –, trabalhando como artesão.

Senão vejamos: Jesus Cristo é o Filho que trabalha com a plena liberdade de quem recebeu tudo de Deus Pai. O Senhor afirma que o Pai trabalha sempre e Ele – Jesus – só faz o que aprendeu dessa atividade da Primeira Pessoa. O trabalho, então, já não é um símbolo de escravidão ou condenação fastidiosa pelo pecado original, mas uma atividade pela qual os que se identificam com Jesus Cristo podem realizar toda a alegria dos filhos e filhas de Deus.

Quem se alegra com o que executa está vivendo uma dimensão lúdica: pode divertir-se até mesmo no esforço. O esforço é um desafio que implica em ativar os recursos das virtudes e da criatividade.

S.Josemaria insistia, com sua vida e seus ensinamentos, que os batizados, enquanto lidam com as suas tarefas, são contemplativos no meio do mundo.

A tese que defendo no livro é que a dimensão lúdica pode e deve envolver o trabalho quotidiano de homens e mulheres correntes.

ZENIT: Então, para S.Josemaria, descansar e divertir-se é tão importante como trabalhar?

Dr. Hernández: S. Josemaria aconselhou sempre conciliar o trabalho com o descanso, e procurou que os fiéis da Prelatura aprendessem a equilibrar um trabalho exigente e sério com períodos de descanso: desporto, excursões, conversas familiares, leituras, hobbies... Sempre incentivou a plena liberdade dos seus filhos e filhas espirituais, encorajando-os a ser sempre eles mesmos e desenvolver ao máximo a personalidade de cada um, sem clichês ou moldes uniformizadores.

Além disso, o sentimento de filiação divina levava S.Josemaria a promover o bom humor entre todos e a desdramatizar as situações. Na luta espiritual, ele usava imagens da ginástica, do desporto. De facto, existem gravações de algumas catequeses nas quais ele imita, diante de milhares de jovens e outras pessoas, gestos de saltadores com vara nos jogos olímpicos. Ele falava do espírito desportivo como atitude que traduz ao âmbito humano a virtude teologal da esperança.

Insistia em que a vida espiritual, inclusive a luta ascética, não consiste apenas em evitar a queda, mas em levantar-se, uma e outra vez, quando se falha. Chegava a definir a vida interior como um "começar e recomeçar".

Sempre cuidou do descanso dos outros, inclusive com dicas práticas. Por exemplo, a alguém, com profissão intelectual, que estivesse muito cansado, aconselhava: «Dedica alguns dias a remar, a ler Tintim (ou outra história de banda desenhada), rezar três Ave-Marias à noite e dormir bem».

Claro que S. Josemaria sabia como todas aquelas pessoas que o seguiam eram pessoalmente muito exigentes no seu trabalho diário e no serviço aos outros e que, depois de um período de descanso, voltavam com renovado vigor.

ZENIT: A ecologia realmente preocupava S.Josemaria Escrivá de Balaguer?

Dr. Hernández: No livro "Lazer, ecologia e trabalho", o segundo capítulo desenvolve algumas dicas de como o ensinamento de S. Josemaria oferece ideias muito inovadoras para exprimir a mensagem cristã com a linguagem da ecologia, e também para iluminar o problema ambiental a partir de uma espiritualidade que, nas suas próprias palavras, permite "devolver à matéria o seu nobre e original sentido".

Os seus escritos envolvem toda uma teologia da criação e da redenção na qual se afirma que «o mundo é bom, porque as obras de Deus são sempre perfeitas, e somos nós, os homens, que tornamos o mundo mau, pelo pecado» (Conversaciones, n. 70).

Descobri também, nos seus escritos, os estilos de vida cristã que favorecem o cuidado do meio ambiente: formas concretas de vida sóbria, sem deixar-se levar pelo consumismo; cuidado com os objetos que usamos, evitando que quebrem ​​desnecessariamente; e a "naturalidade". Esta expressão de S.Josemaria sempre me fascinou, porque fomenta uma sábia aceitação da natureza e da forma de desenvolvimento dos cristãos simples, de acordo com o espaço e o tempo.

Outros textos fascinantes de S.Josemaria aludem à sua própria maneira de celebrar a Missa. Ele estava convencido de que, ao celebrar a Missa, «estão presentes todas as criaturas de Deus – a terra, o céu e o mar, os animais e as plantas –, dando glória ao Senhor a criação inteira».

Outra imagem que uso muitas vezes diz respeito ao testemunho e ação dos cristãos leigos no meio de um mundo muitas vezes manchado pelo pecado: nós temos que seguir no meio deste mundo podre; no meio deste mar de água suja; entre os rios que passam pelas grandes cidades e vilarejos, e que não têm nas suas águas a virtude de fortalecer o corpo, de apagar a sede, porque envenenam. Meus filhos, no meio da rua, no meio do mundo, temos de estar sempre procurando criar em torno de nós um paraíso de águas limpas, para que cheguem outros peixes e, juntos, vamos expandindo o remanso, purificando o rio, devolvendo a sua qualidade às águas do mar.

ZENIT: Que contribuição teológica oferece Escrivá de Balaguer?

Dr. Hernández: Na minha opinião, uma contribuição de primeira ordem. Embora ele não se tenha proposto expressamente a fazer teologia, o seu carisma e os seus ensinamentos oferecem ideias que sempre iluminam os problemas da história, sempre a partir da luz original: santificar-se por meio do trabalho e das circunstâncias quotidianas do cristão no meio do mundo.

É uma visão muito positiva do mundo e das realidades humanas, que estimula os batizados, sem se afastarem do mundo, a completarem a tarefa que Deus nos confiou em relação à criação.

ZENIT: O que seria o materialismo cristão, segundo o fundador do Opus Dei?

Dr. Hernández: No livro, é amplamente discutida esta expressão original de S.Josemaria. Ele falou dela no Campus Universitário de Pamplona, durante a manhã de 8 de outubro de 1967. Estas são algumas das suas expressões: "O autêntico sentido cristão - que professa a ressurreição de toda carne - sempre enfrentou, como é lógico, a desencarnação, sem medo de ser julgado de materialismo. É lícito, portanto, falar de um materialismo cristão, que se opõe audazmente aos materialismos fechados ao espírito" (Conversaciones con Mons. Escrivá de Balaguer, n. 115).

Nuns parágrafos anteriores, S. Josemaria explicou o seu sentido: «Não há outro caminho, meu filho: ou sabemos encontrar o Senhor na nossa vida quotidiana ou não O encontraremos nunca».

Zenit