1. No centenário do nascimento do Beato Josemaría Escrivá já tudo de relevante se disse ou escreveu sobre o seu pensamento, testemunho e serviço.
Não pertencendo ao Opus Dei e, por isso, não conhecendo suficientemente o seu espírito e acção, tenho sido, porém, um leitor atento do pensamento e do caminho que o seu fundador propôs para a purificação e santificação na vida de cada um.
2. Também na minha formação cristã e na minha vida pessoal e profissional tenho vindo a aprofundar ensinamentos e a extrair lições da experiência, cada vez mais consciente da grandeza da vida de todos os dias. Por isso, me atrevo aqui a formular, de um modo muito pessoal e sintético, algumas ideias em que creio, sentindo-me, ao mesmo tempo, identificado com o que conheço do património religioso, moral e humano que ele nos deixou.
3. Assim:
O mais difícil de alcançar é o simples. O mais possível de alcançar é o que mais impossível parece. O maior alimento do direito é o dever. O mais pequeno sacrifício pode ser o mais virtuoso. A maior recompensa do corpo é a serenidade da alma. A mais consistente felicidade é a que está para além da luz que os nossos olhos atingem.
A humildade é irmã gémea da beleza. A sinceridade é irmã gémea da verdade. A perseverança é irmã gémea da bondade. O heroísmo é a perseverança na luta de cada dia. A autenticidade é a verdade do comportamento. A fidelidade é o coração do comportamento. O erro é a constatação da nossa debilidade, mas ao mesmo tempo, a bússola da nossa capacidade. A persistência no erro, porém, é já arrogância e soberba.A mais minúscula verdade supera as mais poderosas mentiras.
O importante não é dissolvido no urgente, avulso ou superficial, porque o importante nem sempre é urgente, raramente é avulso e nunca é superficial. O pessimismo radica na indiferença. O optimismo radica no trabalho e na formação.
A mais insignificante das perfeições é preferível à mais sonante das imperfeições. A vida para ter grandeza tem de ser feita de pequenas coisas, muitas vezes. As virtudes existem para ser praticadas e não apenas enaltecidas. Por isso, o exemplo é o caminho mais curto para o bem e o mais contagiante para os outros. A partir do nosso interior se pode transformar o que nos é exterior. O dever de trabalhar começa no nosso interior e prolonga-se no interior dos outros. A esperança aumenta na razão directa do esforço. Assim se transforma constantemente esperança em realidade viva. Viver activa e comprometidamente é transformar tempo de trabalho em tempo de liberdade e tempo livre em tempo de laboriosidade.
Ao utilitarismo estéril responde-se com a utilidade fecunda com que a vida se deve viver em cada momento. A abnegação, para além do que transporta de dedicação, é o antídoto para o individualismo predador. A família é o útero social que conjuga, na plenitude da sua natureza, vida e trabalho, ter e ser, dar e transmitir.
4. Mas muito mais do que as minhas palavras aqui alinhavadas vale a pena terminar com algumas citações que, iluminadamente, melhor resumem tudo o que quis dizer.
Na encíclica Mater et Magistra está escrito que é necessário «assumir o homem, na sua realidade concreta, de espírito e matéria, de inteligência e vontade».
No Catecismo Católico se afirma que «o trabalho pode ser um meio de santificação e uma animação das realidades terrestres no espírito de Cristo» (CC n.º 2427).
Pio XII, na sua «Mensagem» no Natal de 1957, proclamou que «o trabalho prolonga a obra começada pelo Criador».
Por fim, Josemaría Escrivá alertou-nos: «Se afirmas que queres imitar Cristo e te sobra tempo, andas por caminhos de tibieza.»
Ou ainda: «As obras ao serviço de Deus nunca se perdem por falta de dinheiro; perdem-se por falta de espírito.»
5. Agora, que o Padre Josemaría Escrivá foi canonizado como Santo da Igreja Universal, vale a pena continuar a aprofundar, na vida de cada um, os seus ensinamentos.
Espírito e família. Família e trabalho. Trabalho e espírito. Para uma pessoa com fé, o trabalho, a doação familiar e social, o sacrifício, o perdão são, afinal, diferentes formas de oração. De, com Deus, partilhar o Mistério da Vida.
António Bagão Félix
Ministro da Segurança Social e do Trabalho