A imaginação da Caridade

Apercebemo-nos de que o sofrimento por que tinham passado era ocultado pelos seus sorrisos e só pelo olhar conseguíamos vislumbrar uma determinação inabalável de melhorar as suas vidas e as dos filhos.

Fotografia do grupo

‘Bata Hilton’ é um ponto de encontro icónico no Central Business District de Nairobi. É habitual ficar aí à espera de amigos, uma vez que proporciona um refúgio dentro do fervilhante centro da cidade. Este ano, poucas pessoas tiveram coragem de se aventurar pelo nevoeiro da manhã no Sábado Santo. As minhas amigas de Roshani e eu formávamos um desses grupos. Apesar do tempo frio, estávamos muito entusiasmadas com a nossa visita, há tanto tempo esperada, ao Wings of compassion rescue home (Lar de Acolhimento Asas da Compaixão). Este lar, na área de Kiambu, dá abrigo e educação a cerca de 30 jovens mulheres de meios sociais vulneráveis e aos seus filhos.

Fomos chegando aos poucos, uma a uma, carregadas com os nossos donativos e com os corações cheios de expetativa, uma vez que todas tínhamos ouvido falar tanto daquele lar. Quando todo o grupo chegou, pegámos nos sacos e desatámos a rir quando vimos que nenhuma de nós sabia exatamente como ir até lá. Acabámos por decidir chamar um Uber e assim pudemos desfrutar de uma viagem de carro muito divertida até Kiambu, porque o nosso motorista foi o tempo todo a fazer comentários hilariantes sobre diversos temas da atualidade.

À entrada, juntaram-se a nós pessoas da Pequena Comunidade Cristã de Nossa Senhora do Rosário da Igreja Católica de Ridgeways. Soubemos mais tarde que têm visitado e dado apoio ao lar desde que ele foi fundado em 2010. A nossa entrada foi assinalada por altos gritos, as jovens cantaram e dançaram para nos dar as boas-vindas. Esta receção calorosa marcou o ritmo do resto da visita e foi de bom grado que correspondemos aos seus convites para dançar, profundamente tocadas pela sua alegria exuberante.

Depois apresentámo-nos e escutámos fascinadas à medida que as jovens mulheres foram partilhando connosco as suas histórias de coragem e resiliência.

Mal pude conter as lágrimas quando uma jovem rapariga Samburu[*], que tinha sido dada em casamento aos 12 anos, nos descreveu como tinha fugido e estava agora a viver no lar, com uma bolsa do Banco Comercial do Quénia que lhe permitia prosseguir os seus estudos e tomar conta da criança.

Ao falarmos com as jovens mulheres, uma por uma, apercebemo-nos de que o sofrimento por que tinham passado era ocultado pelos seus sorrisos e só pelo olhar conseguíamos vislumbrar uma determinação inabalável de melhorar as suas vidas e as dos filhos.

Dorcas, uma das cofundadoras, falou-nos do ambiente familiar que se vive no lar, como cuidam umas das outras e partilham tarefas e cuidados com as crianças. Foi com dificuldade que nos viemos embora ao final do dia, todas agradavelmente convictas de que tínhamos ganho mais do que tínhamos dado e com o firme propósito de voltar.

As canções dessas mulheres ecoam na minha mente ao ler as palavras de Mons. Fernando Ocáriz nas suas considerações sobre ação social, «Nada disto nos pode deixar indiferentes; somos chamados a exercer ‘a imaginação da caridade’ para levar o bálsamo da ternura de Deus a todos os nossos irmãos que passam necessidades».

VM.


[*] Uma comunidade Nilota do Centro-Norte do Quénia.