Encontrar Cristo na doença

Gostava de explicar como me tem ajudado o exemplo e os ensinamentos de S. Josemaria para tentar santificar a minha doença e encontrar Cristo nela.

Farei uma consideração prévia. Durante estes anos, falei algumas vezes com diversos doentes com mais experiência da dor do que eu. Parece-me que os doentes ou os deficientes têm em comum a falta de saúde, mas são diferentes em quase tudo o resto. Há um núcleo comum no espírito de S. Josemaria a que todos os doentes prestam atenção – aqueles com quem falei, e eu também, mas depois, segundo o tipo de lesão e segundo o modo de ser de cada um, ajudam mais certos aspetos da sua vida e dos seus textos.

Por exemplo, ao falar há já um tempo, em Pamplona, destas questões com um cego que agora está a ficar surdo, ele reparava em pontos diferentes dos meus, que sou paraplégico. Isto levou-me a admirar mais ainda a riqueza da mensagem de S. Josemaria. Passo a explicar alguns aspetos, mas há muitos outros.

Quais os ensinamentos de S. Josemaria que me têm ajudado a encontrar Cristo na doença, a dar sentido à própria doença? Há anos, quando saí da Clínica depois do acidente, inscrevi-me numa associação de deficientes. Aí explicaram-me as metas que pensavam atingir: supressão de barreiras arquitetónicas e subsídios. Deram-me conselhos práticos para o uso da cadeira de rodas e ensinaram-me a sair e a entrar no carro com independência. Tudo isso é muito útil, mas não vai ao fundo da questão. A chave é dar sentido à deficiência em si, dar sentido ao sofrimento.

S. JOSEMARIA UNE A CRUZ DE CRISTO COM A ALEGRIA POR SERMOS FILHOS DE DEUS

Neste particular, a ideia de S. Josemaria que me ajudou desde o momento do acidente foi: estar na cruz é ser Cristo, e por isso filho de Deus (cf. Sulco, n. 70). S. Josemaria une a cruz de Cristo com a alegria por sermos filhos de Deus. Jesus Cristo, o Filho de Deus, ao sofrer a morte na cruz redimiu toda a humanidade, e deu sentido e eficácia à dor. Então, quando estamos na nossa cruz, no sofrimento, podemos ser mais Cristo e, portanto, mais filhos de Deus, mais amados por Deus Pai. Somos mais felizes e também mais eficazes porque ajudamos a redimir o mundo.

Se Deus quer que a cadeira de rodas e o que isso acarreta ajudem-me a ser mais Cristo, mais amado por Deus Pai e mais eficaz, então a doença tem sentido, vale a pena. Já não se é feliz apesar da cadeira de rodas, mas é-se feliz porque se está na cadeira de rodas. É uma mudança relevante. E a consequência é simples: dar graças a Deus por estar na cadeira de rodas.

As outras ideias surgem de um episódio passado no Equador em 1974 que me contaram numa ocasião e que considerei na oração muitas vezes. Tinham decorrido já várias semanas de catequese esgotante para S. Josemaria, por diferentes países da América do Sul. Estava em Quito seriamente doente com o mal de altura e com outras complicações. Quando alguém comentou com ele que lhe dava pena a situação em que se encontrava, disse-lhe estas ou outras palavras parecidas: “Mas eu estou a divertir-me muito em Quito! Estou muito contente. Jesus, eu aceito viver condicionado nestes dias e toda a minha vida e enquanto quiseres que eu viva. Tu dar-me-ás a graça, a alegria e o bom humor para me divertir muito, para Te servir e para que a aceitação dessas pequenas coisas seja uma oração cheia de amor”.

Desta recordação julgo que se podem extrair pelo menos quatro consequências: aceitar a vontade de Deus; descobrir que Ele nos dá a graça proporcional às nossas limitações, superá-las com alegria; ver que, no fundo, são insignificâncias. Vou deter-me nelas por um momento:

Aceito viver condicionado: Recordo que, ao sair da unidade de cuidados intensivos depois do acidente, comecei a reabilitação. Era provável que ficasse paralítico, mas não era certo. Entre os acidentados que estavam na reabilitação, eram frequentes os comentários sobre o tempo de recuperação e as possíveis sequelas. Repetir aquela frase ajudou-me: “eu aceito viver condicionado, paralítico, nestes dias, toda a minha vida e enquanto quiseres”. Então, enfrentei a reabilitação com mais tranquilidade. Empregam-se os meios, sabendo que a recuperação não será um minuto antes, nem um minuto depois, nem um milímetro mais, nem um milímetro menos do que aquilo que Deus quiser e que isso será o melhor para mim. Ajuda-me repetir duas jaculatórias que aprendi meditando o exemplo de S. Josemaria: “Tudo é para bem” e “Senhor, serve-Te de mim como quiseres”.

Tu me darás a graça, a alegria e o bom humor. Há graça proporcional para cada doença. Em situações mais duras, há mais ajuda de Deus. Se antes do acidente, tivessem-me dito que ia ficar paralítico aos 29 anos, teria achado muito penoso. Agora vejo que é muito mais fácil do que parecia, porque há ajuda abundante da parte de Deus.

O Fundador do Opus Dei acrescenta: para me divertir muito. Isto para mim foi uma surpresa. Pede alegria e bom humor para uma pessoa se divertir na doença. Na minha opinião, isto é um ponto importante. Não se trata de suportar a cruz, mas de a amar. Parece-me um exercício muito saudável e espiritual tentar ver, até humanamente falando, o aspeto positivo e agradável das próprias limitações e sofrimentos. A cadeira de rodas proporciona bastantes ocasiões para nos exercitarmos desta maneira. E isto é mais fácil de viver depois de termos visto que no sofrimento podemos ser Cristo. Tentar unir-se a Cristo na cruz com alegria, parece-me um ensinamento de S. Josemaria muito atrativo. Cristo sofreu na Cruz para me poupar sofrimentos.

Que a aceitação dessas pequenas coisas seja oração. Insiste na ideia das insignificâncias. Eu traduzo esta ideia por: “Não te queixes, também não é caso para tanto”. Não só porque há pessoas que sofrem mais, mas, sobretudo, porque Jesus Cristo é quem mais e melhor venceu o sofrimento. Como conviver com a deficiência na vida corrente?

Trata-se de viver, em cada dia, tudo o que foi anteriormente dito. Apresento alguns pontos breves que aprendi de S. Josemaria.

Frequentar os sacramentos (a Eucaristia, a Confissão) e a oração. Com efeito, nos sacramentos e na oração recebemos as forças para crescer na vida cristã e, concretamente, para ver a doença de um modo sobrenatural. Ajuda-me muito meditar as páginas do Evangelho (toda a vida de Cristo e, em concreto, a Paixão e a sua compaixão para com a dor alheia), bem como os escritos de S. Josemaria, e tantos outros textos que ajudam a dar sentido à dor, especialmente a Carta “Salvifici doloris” de João Paulo II, de 11 de fevereiro de 1984.

Recomeçar uma vez e outra sem desanimar, sabendo que as coisas nunca saem bem à primeira, pelo menos para mim. Umas vezes consegue-se melhor e outras pior.

Alguns recordarão um diálogo do Fundador do Opus Dei com uma pessoa paralítica na Argentina. Depois de a animar a oferecer a doença, dá-lhe um conselho cheio de senso comum e sobrenatural, “se precisares de alguma coisa, pede”. Ter a humildade de pedir ajuda física e espiritual. Vencer a ideia de não querer incomodar. Mas também que nos ajudem a evitar manias no carácter; egoísmos, preguiças e caprichos no comportamento, que podem tomar forma com a desculpa de uma doença crónica. Neste sentido, é muito importante a ajuda dos que estão mais perto de nós: a ajuda familiar (além da ajuda médica). Aqui tenho que agradecer ao Opus Dei (que é a minha família) todos os cuidados e atenções destes anos, essenciais para levar bem a doença. Também isto é uma herança de S. Josemaria. Agradeço também o tratamento cheio de delicadeza e respeito que recebi na Clínica Universitária de Navarra, onde aprenderam de S. Josemaria a ver Cristo no doente.

Durante os primeiros meses de recuperação, a atividade externa fica muito reduzida e pensamos que será sempre assim. Depois vemos que não é bem assim, porque passam os anos e aqui estou, surpreendentemente, num congresso internacional em Roma. Naquela época, não teria conseguido sequer imaginar esta situação. Quando pensava que a minha atividade diária iria ficar muito reduzida, ajudou-me recordar que todos os trabalhos são iguais diante de Deus; tudo depende do amor com que se realizem (cf. Sulco, n. 487).

A doença como trabalho profissional. Devemos procurar ser bons doentes, no meu caso, um bom paraplégico. Isto implica obedecer aos médicos e tentar desenvolver ao máximo as potencialidades que tenho. Se é possível conduzir, fazê-lo vencendo o medo inicial pelo acidente, se existe a possibilidade de ser autónomo nas necessidades pessoais, consegui-lo; aprender a superar as barreiras arquitetónicas na medida do possível. E assim com tudo o resto.

Certa vez, perguntaram-me: ficou um pouco zangado com S. Josemaria porque não conseguiu a sua cura? Ou: como não intercedeu ele para o curar? Depois de tudo o que foi dito, a resposta é clara: assenta-me bem a cadeira de rodas. A paraplegia (ou qualquer outra doença) é a oportunidade que Deus dá para adquirirmos uma série de virtudes sobrenaturais e humanas que de outro modo não teríamos adquirido. Permite-nos desenvolver – não digo que seja fácil – a paciência, a visão sobrenatural, a capacidade de sacrifício, o agradecimento pelas ajudas, humildade, perseverança, etc. Também – e não é pouco – ganhar em purificação pelos próprios defeitos e obter méritos para o Céu. Este é o favor que me concedeu S. Josemaria: perdi muito pouco fisicamente e ele ajudou-me a enriquecer espiritualmente.

Além disso, quando Deus não concede certas coisas, sempre costuma acrescentar: «basta-te a minha graça» (2 Cor 12, 9).


Texto publicado nas Atas do Congresso A Grandeza da Vida cotidiana, Vol. IX, EDUSC, 2003.

Guillermo Juez, biólogo, filósofo e sacerdote, Espanha