Vocação à santidade, amor ao Papa, audácia apostólica

Recordamos as 3 ideias principais da homilia de Mons. José Rafael Espírito Santo na Missa em honra de S. Josemaria, celebrada na Igreja de N. Sra. de Fátima (Lisboa). Também disponibilizamos o texto integral da homilia e algumas fotografias da cerimónia.

1. Correspondência à vocação à santidade que se concretiza na santificação do trabalho profissional: Jesus entra hoje no barco do nosso trabalho e dá-nos a indicação de lançarmos as redes para chegar ao coração de todos.

2. Amor ao Santo Padre que nos leva a pedir a Deus que o sirvamos com alegria e simplicidade, com um amor que é afeto, como corresponde a filhos.

3. Audácia apostólica, seguindo o exemplo do Santo Padre que nos fala de audácia para “oferecer a nossa amizade e confiança aos outros”. Sem medo nem vergonhas, Deus pede-nos oração, mortificação e uma amizade sincera para contagiar com autenticidade a alegria que temos no coração.

Texto Completo da Homilia

Caríssimas irmãs e caríssimos irmãos:

Que alegria encontrar-nos aqui de novo para agradecer a Deus a vida de S. Josemaria que o próprio Senhor encheu de santidade. Dar graças pelos seus gestos e palavras, e pela ajuda que nos dá tantas vezes.

Para mais, num ano que é especial. O Opus Dei fará 90 anos no próximo dia 2 de Outubro. É, pois, um tempo para dar graças pelo passado, viver com paixão presente e lançar-nos com audácia para o futuro, tal como nos dizia S. João Paulo II a propósito do Jubileu do ano 2000.

Nesta Missa proponho-vos três ideias que podemos retirar das palavras e da vida de S. Josemaria:

a correspondência à vocação à santidade,
o amor ao Santo Padre
e a audácia apostólica.

Vou servir-me da oração com a qual fazemos pedidos a Deus por intercessão de S. Josemaria nas inquietações e desejos.

1. Correspondência à vocação à santidade: “fazei com que eu saiba também converter todos os momentos e circunstâncias da minha vida em ocasião de Vos amar e de servir com a alegria e simplicidade”. Nada fica à margem do amor de Deus que nos envolve e chama.

Tivemos uma grande alegria ao ler a recente exortação apostólica do Papa Francisco sobre o chamamento universal à santidade. Porque o que nós procuramos viver, fruto do que S. Josemaria nos transmitiu, é uma concretização do que o Santo Padre recorda e propõe para todos, vivido na vida corrente de cidadãos comuns. Diz o Papa: “quando perscrutamos na presença de Deus os caminhos da vida, não há espaços que fiquem excluídos. (…) É necessário pedir ao Espírito Santo que nos liberte e expulse aquele medo que nos leva a negar-Lhe a entrada nalguns aspetos da nossa vida. Aquele que pede tudo, também dá tudo, e não quer entrar em nós para mutilar ou enfraquecer, mas para levar à perfeição”[1]. E normalmente é nas coisas pequenas da vida, no que parece irrelevante, que se concretiza o crescimento, a correspondência à vocação.

Concretiza-se, de um modo particular, na “santificação do trabalho profissional e no cumprimento dos deveres quotidianos do cristão”. É a vocação primordial, como ouvimos no livro do Génesis (cf. Gen 2, 15), que Jesus elevou à ordem da graça: identificar-nos com Cristo, ser filhos de Deus, herdeiros com Cristo deste mundo (cf. Rom 8, 14-17). É aí que Deus nos chama. Jesus entra no barco do teu trabalho, do meu trabalho, e dá-nos a indicação de através dele lançarmos as redes, para chegar ao coração de todos.

No próximo mês de Outubro, terá lugar a Assembleia do Sínodo dos Bispos sobre “Os jovens, a fé e o discernimento vocacional”. O Santo Padre alerta todos os jovens para que não deixem sufocar os desejos de bem que aparecem no coração. E desafia-os a ter um encontro pessoal com Jesus que olha para cada um: “Caros jovens, encontrastes este olhar? Ouvistes esta voz? Sentistes este impulso a pôr-se a caminho? Estou convicto de que, não obstante a confusão e do atordoamento darem a impressão de reinar no mundo, este apelo continua a ressoar no vosso espírito para o abrir à alegria completa”[2]. É um encontro que se dá hoje: “A alegria do Evangelho, que nos abre ao encontro com Deus e os irmãos, não pode esperar pelas nossas lentidões e preguiças; não nos toca, se ficarmos debruçados à janela, com a desculpa de continuar à espera dum tempo favorável; nem se cumpre para nós, se hoje mesmo não abraçarmos o risco duma escolha. A vocação é hoje!”, diz o Santo Padre[3]. E chega a afirmar: “Atrevo-me a dizer que, para um jovem que quer seguir Cristo, o essencial é a busca e a adesão à sua vocação”[4]. O Papa disse isto aos jovens. E penso que o podia dizer a todos nós: o essencial é a busca e a correspondência à nossa vocação. Oxalá saibamos ouvir hoje a voz de Deus que ressoa na consciência. Há pouco mais de cem anos, S. Josemaria ao ver umas pegadas na neve, pressentiu o amor de Deus que o interpelava. Desde esse momento, toda a sua vida foi marcada pelo desejo de corresponder a esse amor, pondo aí todas as energias do seu coração. Peçamos a S. Josemaria que saibamos seguir as suas pegadas e, sem atrasos nem desculpas, queiramos seguir Jesus com plenitude: “tendo conduzido os barcos para terra, eles deixaram tudo e seguiram Jesus” (Lc 5, 11).

2. “Servir com alegria e simplicidade”, em primeiro lugar, “a Igreja, o Romano Pontífice”, e depois todas as almas. “Na figura, na missão e no ministério de Pedro, (…) a Igreja contempla uma realidade profunda, que está em relação essencial com o seu próprio mistério de comunhão e de salvação: «Ubi Petrus, ibi ergo Ecclesia» «onde está Pedro, aí está a Igreja»”[5]. S. Josemaria tinha bem arreigado o amor ao Santo Padre: “Obrigado, meu Deus, pelo amor ao Papa que puseste no meu coração” (Caminho, 575); “«omnes cum Petro ad Iesum per Mariam!», todos, bem unidos ao Papa, vamos a Jesus, por Maria” (Forja, 647); “Cristo, Maria, o Papa: não acabamos de indicar, em três palavras, os amores que compendiam a fé católica?”[6]. Quando chegou pela primeira vez a Roma, S. Josemaria passou a noite rezando pelo Papa, olhando para os aposentos pontifícios.

Pedimos a Deus que também sirvamos com alegria e simplicidade o nosso Pai comum, o Santo Padre, com um amor que é afeto, como corresponde a filhos. Há praticamente um ano o Prelado do Opus Dei, Mons. Fernando Ocáriz, esteve em Portugal, e em todas as ocasiões fez o apelo a rezar muito pelo Santo Padre. Rezar muito pelo Santo Padre porque, nestes momentos, tem sobre si muitas preocupações pelos problemas do mundo e da Igreja, e - basta olhar para a opinião pública - pela divisão dentro da própria Igreja. O Papa pede sempre que rezemos por ele. Não é uma frase feita: é uma necessidade que sente. Demos ao Papa este apoio e a nossa união.

A seguir ao Concílio Vaticano II a Igreja viveu momentos difíceis. Bento XVI descreveu essa época como sendo um confronto entre uma leitura do Concílio em continuidade com a Tradição e o Magistério anterior, e uma outra leitura do Concílio feita em rutura com a Tradição e o Magistério anterior. O que vivemos agora é uma consequência desse confronto, que se tornou mais intenso. Podemos ir buscar uma poderosa inspiração na forma como S. Josemaria viveu esses momentos difíceis. Na sua última carta extensa escreveu que o que tínhamos que fazer era ser mais fiéis, mais santos, e conhecer e difundir a fé da Igreja com abundância. E a fé da Igreja está recolhida e explicada no Catecismo da Igreja Católica, que, em palavras do Papa Francisco, é uma catequese séria e matizada[7], um “instrumento fundamental para aquele ato com que a Igreja comunica o conteúdo inteiro da fé, «tudo aquilo que ela é e tudo quanto acredita»”[8]. Nos tempos que vivemos é tão importante conhecer e difundir o pensamento do Catecismo sobre a indissolubilidade do matrimónio como manifestação do verdadeiro amor e de alegria, os sacramentos da Eucaristia e da Reconciliação recebidos com as devidas condições para transformar os corações, a defesa da vida, a vivência da sexualidade na complementaridade da mulher e do homem, a formação da consciência, o cuidado dos migrantes, as obras de misericórdia, a preservação do ambiente, o bem comum da sociedade! Que saibamos falar da nossa fé, e, como diz também o Papa, não o façamos como quem atira pedras, mas “como quem partilha uma alegria, indica um horizonte estupendo, oferece um banquete apetecível”[9]: mostra a todos um caminho de felicidade plena, para acomodar a própria vida com a verdade, a beleza e a alegria do Evangelho.

3. Por último, gostaria de falar de audácia apostólica: “iluminando os caminhos da terra com a luz da fé e do amor”. É constante o impulso que o Santo Padre quer dar a toda a Igreja. “Audácia, entusiasmo, falar com liberdade, ardor apostólico”, “Quantas vezes nos sentimos instigados a deter-nos na comodidade da margem! Mas o Senhor chama-nos a navegar pelo mar dentro e lançar as redes em águas mais profundas (cf. Lc 5, 4). Convida-nos a gastar a nossa vida ao seu serviço. Agarrados a Ele, temos a coragem de colocar todos os nossos carismas ao serviço dos outros. Oxalá pudéssemos sentir-nos impelidos pelo seu amor (cf. 2 Cor 5, 14) e dizer com São Paulo: «ai de mim se eu não evangelizar!» (1 Cor 9, 16)” “Precisamos do impulso do Espírito para não ser paralisados pelo medo e o calculismo, para não nos habituarmos a caminhar só dentro de limites seguros”[10].

Necessitamos de ser mais audazes. E é preciso audácia para oferecer a nossa amizade e confiança no seio da família, aos colegas de trabalho, vizinhos, e nos encontros de ocasião. Podem ser gestos simples, cheios de caridade: “ajudar um colega que não nos cai tão bem mas que precisa de uma sugestão prática para acabar bem o que está a fazer; ou dedicar talvez alguns minutos a uma pessoa, se percebemos que precisa de falar, porque o seu rosto reflete alguma preocupação”[11].

Porque a tentação que tantas vezes nos derrota é a que faz pensar: “para que é que te vais meter em sarilhos?”, “se nem consegues resolver os teus problemas, porque é que pensas que vais conseguir ajudar os outros?”, “contenta-te mas é em cuidar das tuas obrigações e devoções, e deixa de pensar que és um herói”.

Desculpem esta caricatura, mas fica claro que não foi isso que S. Josemaria ensinou, e não é isso que o Evangelho ensina. Em todas as viagens que S. Josemaria fez a Portugal, sempre nos animou a chegar mais longe, a aproveitar o dom da fé e do amor à Virgem Maria que não se hão de perder, a tornar presentes hoje “os cristãos atrevimentos nesta pequena casa Lusitana”. Falar de Deus, acompanhar até Cristo, muda a vida: a nossa e a dos outros. Diz o Papa: “A periferia mais desolada da humanidade carente de Cristo é a indiferença à fé ou mesmo o ódio contra a plenitude divina da vida. Toda a pobreza material e espiritual, toda a discriminação de irmãos e irmãs é sempre consequência da recusa de Deus e do seu amor”[12]. Sem medo nem vergonhas, cada um de nós peça hoje a S. Josemaria que nos ajude a ver com os olhos de Cristo os nossos familiares e amigos, os nossos companheiros de profissão, e que com oração, mortificação e uma amizade sincera os contagiemos com a alegria que temos no coração.

Correspondência à vocação, amor ao Santo Padre, audácia apostólica: hoje. Que cada um oiça o que o Espírito Santo lhe diz.

Terminamos recorrendo à Nossa Mãe, Senhora de Fátima. S. Josemaria muitas vezes encontrou em Fátima refúgio, e rezou pela Igreja e pela sementeira abundante de fé e de amor que foi a sua vida. Que Ela nos ajude a cumprir a nossa missão, que é, com uma expressão do Papa Francisco, “a palavra, a mensagem de Jesus que Deus quer dizer ao mundo com a tua vida”[13].


[1] Francisco, Gaudete et exultate, 175.

[2] Francisco, Carta aos jovens, 13 de janeiro de 2017.

[3] Francisco, Mensagem para o Dia Mundial das Missões de 2018

[4] Ibidem.

[5] Congregação para a Doutrina da Fé, “O Primado do Sucessor de Pedro no mistério da Igreja”, 31 de outubro de 1998.

[6] S. Josemaria, Instrucción, 19 de março de 1934.

[7] Cf. Diálogo com os jornalistas, 13 de Maio de 2017.

[8] Francisco, Lumen fidei, 46.

[9] Francisco, Evangelii gaudium, 15.

[10] Francisco, Gaudete et exultate,129, 130, 133.

[11] Mons. Fernando Ocariz, homilia, 26 de junho de 2017.

[12] Francisco, Mensagem para o Dia Mundial das Missões de 2018.

[13] Francisco, Gaudete et exultate, 24.