Juan Jiménez Vargas: o sonho tornou-se realidade

18 de maio de 1992. Dois velhos conhecidos encontram-se na sala de espera do Aeroporto de Ciampino, em Roma. No dia anterior, tinham assistido à beatificação de Josemaria Escrivá. Um deles era Juan Jiménez Vargas. O outro, José Carlos Martín de la Hoz, autor deste relato, que lhe pergunta: “Ontem, quando viste aquela multidão na praça de S. Pedro, que sentiste?”.

🎙 Link para os restantes artigos da série: “Fragmentos de história, um podcast sobre o Opus Dei e a vida de S. Josemaria


No dia 21 de janeiro de 1933, cinco anos depois do nascimento do Opus Dei, S. Josemaria pensa que chegou o momento de abrir um novo modo de dar formação aos universitários para ajudá-los a viver a vida habitual, a vida de santidade no meio do mundo. Seria um meio de formação – os círculos ou aulas de S. Rafael – no qual aprenderiam o espírito do Opus Dei, muito unido à prática, à realidade das suas vidas de estudantes ou profissionais.

S. Josemaria tinha convidado, para aquele dia, muitos jovens universitários a assistirem à primeira aula de formação. Compareceram apenas três. Um desses momentos emocionantes da história da Obra deu-se no fim do círculo, quando S. Josemaria levou os três jovens à capela do Asilo que as freiras lhe tinham emprestado, expôs o Santíssimo na custódia e abençoou aqueles três jovens como se fossem uma multidão. Deus recompensou, de facto, aquele gesto de audácia, fazendo-o ver não três, mas trinta, três mil, trezentos mil, de todas as raças e de todas as cores.

Um dos três jovens que assistiram àquela primeira aula de formação era Juan Jiménez Vargas, um estudante madrileno dos últimos anos de Medicina, que tinha nascido na rua San Bernardo, onde o pai era dono de uma pequena fábrica de biscoitos e morava com as três irmãs e duas tias.

Juan Jiménez Vargas, entusiasta da Medicina

Juan era um homem independente, apaixonado pela liberdade, um típico madrileno, homem de poucas palavras, de baixa estatura e caráter ousado. Tinha estudado na Escola Secundária San Isidro, feito os primeiros anos de ciências no casarão de S. Bernardo e estava a terminar a Faculdade de Medicina em S. Carlos, perto de Atocha, onde agora é o Museu Reina Sofia. Ali, naquele lugar, em torno da Faculdade de Medicina, tinha germinado um ambiente universitário de grande importância. Ali estava Ramón y Cajal, que iria tornar-se num dos grandes especialistas da medicina espanhola. E também, jovem na época, o professor Jiménez Díaz – Carlos Jiménez Díaz – que abriria uma Escola de Medicina que funciona até hoje.

DURANTE A SEGUNDA REPÚBLICA ESPANHOLA, ENTRE OS JOVENS, HAVIA UM GRANDE ENTUSIASMO POR FAZER COISAS GRANDES E TAMBÉM GRANDES CONFRONTOS POLÍTICOS

Juan tinha-se entusiasmado com a Medicina, com o atendimento dos pacientes, dos doentes, mas também com a ideia de compaginar esse atendimento com a investigação no campo da Fisiologia. Juan já estava envolvido nessas tarefas de nível intelectual, de investigação, estudo, de atendimento dos doentes, e era, ao mesmo tempo, um homem comprometido com o ambiente cultural e político da sua época, em que os jovens vibravam com todas estas questões que iam surgindo. Estamos no ano de 1933 em plena Segunda República espanhola, em que o ambiente cultural era muito importante e na qual havia um grande entusiasmo por fazer coisas grandes, um ambiente europeísta e também grandes confrontos políticos. A atmosfera, a pergunta que circulava na rua entre os jovens da época, que também estava na alma de Juan, era “é preciso fazer alguma coisa”.

Por isso, quando em dezembro de 1932, um estudante, colega de turma, o apresentou a S. Josemaria, aquilo foi um deslumbramento para Juan. E então, depois daquela primeira aula ou círculo de S. Rafael, Juan entende perfeitamente que deve dedicar a sua vida à busca da santificação dos seus deveres profissionais, mas, ao mesmo tempo, deve dedicar-se a ajudar S. Josemaria a desenvolver os trabalhos apostólicos do Opus Dei e fazer tudo o que for preciso. Emprega, por isso, o seu tempo livre a ajudar S. Josemaria na formação dos jovens e ao mesmo dedica o tempo necessário aos estudos.

Um dom de Deus inexplicável

Quando começa a guerra civil espanhola, Juan tem plena consciência de que Deus lhe está a dar uma graça especial. Ele dizia-o muitas vezes, naquelas inesquecíveis tertúlias, quando contava que durante toda a guerra civil assumiu a tarefa de cuidar da saúde de S. Josemaria, do fundador da Obra, cuidar dele humana e espiritualmente, no que pudesse ajudar, mas, sobretudo, protegê-lo, ajudá-lo a encontrar um lugar onde pudesse continuar o trabalho apostólico, ajudá-lo na travessia dos Pirenéus, para poder prosseguir o trabalho no outro lado da Espanha, onde havia mais liberdade religiosa, colaborar com ele, cuidar dele. Muitas vezes lhe perguntaram nas tertúlias: Juan, de onde tiras esta força, essa serenidade? E ele dizia que sem dúvida era um dom de Deus inexplicável.

É de notar que, quando termina a Guerra Civil, Juan continua a seguir os dois focos da sua vida: por um lado, essa colaboração estreita com S. Josemaria. De facto, ao terminar o conflito, ele é nomeado diretor da primeira residência que o Opus Dei instala na Rua Jenner.

O RELATÓRIO FINAL DO SECRETÁRIO DO Júri TERMINA COM A AFIRMAÇÃO: DEMONSTRA UM GRANDE AMOR AO TRABALHO

Por outro lado, continua com a sua tese de doutoramento em Medicina. Tive a sorte de ir ao Archivo General de la Administración em Alcalá de Henares, e consultar o arquivo do concurso, aberto em 1942 para duas cadeiras: a de Fisiologia em Barcelona e a de Fisiologia na Universidade de Santiago de Compostela. Participaram seis candidatos e pode ver-se no arquivo o material do concurso. Lá estão as caixas onde se guarda o material do processo de seleção de todos os participantes. É muito impressionante ver os nove trabalhos de investigação que Juan tinha feito desde o fim da Faculdade até 1942 quando participa deste concurso. Nove trabalhos muito sérios de laboratório, de grande envergadura, sobre Fisiologia. Também é interessante ver as intervenções orais, os documentos apresentados, as respostas às perguntas do júri. Chamou-me muito a atenção, por último, o relatório que o secretário do júri redige, falando de Juan – que teve o primeiro lugar no concurso – e explica como ele conhece bem a historiografia, a bibliografia, as técnicas de laboratório, mas termina dizendo: demonstra um grande amor ao trabalho.

Em 1942, Juan vai para Barcelona, onde assumirá a sua cátedra e encontrará um ambiente de grande entusiasmo profissional, de estímulo, de desenvolvimento económico, cultural. Esse ambiente assenta-lhe como ouro sobre azul. Homem calado, silencioso, mas também muito realista. Sabe que crescerá e amadurecerá como catedrático e poderá criar uma escola de Fisiologia se trabalhar seriamente e for capaz de contagiar, com o seu entusiasmo pelo trabalho, muitos outros discípulos.

O início da Faculdade de Medicina da Universidade de Navarra

Efetivamente, no ano de 1955, S. Josemaria convida Juan Jiménez Vargas a ir para Pamplona para que a incipiente Universidade de Navarra (que já tinha algumas Faculdades da área das Humanidades) abra a Faculdade de Medicina como primeira Faculdade de Ciências. Juan deixa Barcelona e vai para Pamplona com parte da sua equipa, que embarca na aventura com o seu professor para iniciar um novo caminho profissional. Os cargos de professores da Faculdade de Medicina são logo ocupados por professores jovens. Juan também consegue entusiasmar Eduardo Ortiz de Landázuri, que tinha um grande projeto profissional em Granada, para que deixe esta cidade e comece a Clínica Universitária e as disciplinas clínicas do curso de Medicina.

Todo aquele ambiente, que se vai criando em Pamplona em torno da Faculdade de Medicina, da Clínica Universitária e da Escola de Enfermagem, irá contagiando a Faculdade de Ciências: a de Biologia, a de Farmácia de modo que dará uma marca à Universidade de Navarra, na área científica, de seriedade, investigação, trabalho em equipa e entusiasmo por santificar essa realidade apaixonante que são as disciplinas biomédicas.

Quando Juan se aposenta, organiza-se uma homenagem, e vêm discípulos seus do mundo inteiro. Entregam-lhe um livro com as investigações em que cada um está a trabalhar, e aparecem duas coisas neste conjunto de pesquisas. A primeira é a amplidão de horizontes que soube dar aos seus discípulos, a gama tão ampla e variada de discípulos no mundo inteiro. E em segundo lugar, os temas. Porque Juan era um homem que desde a juventude, desde os seus primeiros anos de recém-formado, pesquisava temas ligados à realidade e aos problemas das pessoas comuns: tosse, sono, esforço, cansaço.

Um encontro em Ciampino depois da beatificação de S. Josemaria

No dia 17 de maio de 1992, quando teve lugar a beatificação de S. Josemaria, a praça de S. Pedro encheu-se de uma imensa multidão de pessoas, de homens e mulheres vindos do mundo inteiro, de todas as raças, de todas as condições sociais, de todas as idades. Eu tinha tido a sorte de conviver com Juan durante cinco cursos de verão em anos anteriores, e de conversar bastante com ele numa casa situada em Derio, na Biscaia, chamada Islabe.

No meio daquela multidão que enchia o aeroporto de Ciampino, no dia 18, no regresso da beatificação, a diversos países, o hall do Aeroporto de Ciampino converteu-se numa sala de estar onde havia uma grande conversa. Quando lá cheguei, vi de repente no meio de toda aquela multidão, Juan sentado em cima da sua mala. Era de baixa estatura e já estava aposentado. Os nossos olhares cruzaram-se e ele fez-me um gesto típico seu para que me aproximasse.

“BEM, JUAN, ONTEM, QUANDO VISTE AQUELA MULTIDÃO NA PRAÇA DE S. PEDRO, QUE SENTISTE?”

No entusiasmo da beatificação de S. Josemaria e, portanto, de certo modo também, da beatificação do espírito do Opus Dei, veio-me à alma uma pergunta. “Bem, Juan, ontem, quando viste aquela multidão na praça de S. Pedro, que sentiste?”. Juan olhou-me como que dizendo: “Que é isto, como é que me pergunta sobre sentimentos aqui, no meio da multidão?”. Como que me dizendo, “parece que se esqueceu de quem eu sou”. E a resposta foi muito interessante porque ele disse-me: “Normal”.

Quer dizer, para um homem de fé, com a grande fé de Juan Jiménez Vargas, parecia normal que se tivesse tornado realidade o que S. Josemaria tinha contado no dia 21 de janeiro de 1933: que os três jovens do Asilo Porta Cœli se tinham convertido em trinta, em três mil, em trezentos mil, de todas as raças. Parecia normal que o sonho de S. Josemaria se tivesse tornado realidade.

José Carlos Martín de la Hoz