«Quando se lhe quer mesmo bem, deixa-se de ver no outro um judeu ou um árabe»

Jorge Barroso nasceu em Barcelona há 28 anos. Estudou Filologia Clássica. Mora em Jerusalém, cidade para onde se mudou há três anos para fazer mestrado em Grego Antigo. Pedimos-lhe que nos explicasse como vive a atual situação de conflito armado na Terra Santa.

Uma história de um cristão na Terra Santa, durante a guerra | Opus Dei
Numa excursão com amigos do curso. Ao fundo, o Mar Morto.

Podes apresentar-te, Jorge?

Sou um jovem que nasceu em Barcelona em 1995; estudou no Colégio La Farga de Sant Cugat del Vallés e começou a filologia clássica em Barcelona. Depois de dois anos na Universidade de Barcelona, fui para Santiago de Compostela terminar os estudos. Ali vivi no Colégio Mayor La Estila onde passei alguns anos muito bons, quase cinco. Alguns anos depois de terminar a licenciatura, tive oportunidade de fazer um mestrado em Grego Antigo no Instituto Polis, instituição académica de Jerusalém que trabalha com a ideia principal de ensinar línguas antigas como línguas vivas. Graças a Deus, consegui ficar mais alguns anos. Este é meu terceiro ano em Jerusalém.

Jorge es profesor de griego antiguo en el Instituto Polis, en Jerusalén
Jorge é professor de Grego Antigo no Instituto Polis em Jerusalém.

Como foi a chegada a Jerusalém?

Cheguei a Jerusalém no dia 3 de outubro de 2021, era domingo. Naquela época ainda havia restrições do COVID, então fiquei preso em casa até receber o mail do Sistema de Saúde em Israel confirmando que o PCR que fiz no aeroporto, assim que desembarquei, tinha dado negativo. Foi bem rápido e pude ir à missa naquela mesma tarde. Essa foi minha primeira experiência fora de minha casa em Jerusalém.

Qual é a tua atividade profissional atual?

Neste momento, sou professor de Grego Antigo e designer gráfico no instituto onde estudei, o Instituto Polis. Basicamente, ensino Grego e desenho os livros de línguas que publicamos. Gosto imenso, especialmente de ensinar Grego. A particularidade deste Instituto é que ensinamos Grego Antigo como se fosse uma língua moderna, ou seja, falamos Grego Antigo nas aulas e às vezes também nos corredores.

Tens um canal no YouTube onde compartilhas leituras, essa paixão pelos livros também te ajuda neste momento de guerra?

Sim, com certeza, embora não seja a única coisa. Acredito que os livros têm um poder igual ou superior a qualquer atividade de entretenimento, e o melhor é que nos tornam melhores em todos os aspetos. Ao ler livros, além de ganharmos vocabulário e riqueza linguística, ganhamos disciplina, paciência (tão necessária hoje), capacidade de concentração, e claro ganhamos capacidade cognitiva, sabedoria, aptidões sociais e um longo etc. Ler dá tudo, e também entretém! Comecei Frases&Libros a 1 de outubro, antes do início da guerra, e isso também me manteve mentalmente bastante ocupado durante aqueles primeiros dias.

Que nos dirias sobre como viver a mensagem de S. Josemaria na Terra Santa, onde convivem cristãos, judeus e muçulmanos?

S. Josemaria falou muito do amor à liberdade, abraçando a todos sem distinções; algo muito evangélico, claro. Na minha casa moro com alguns que vieram para cá há 30 anos e vejo-os hoje perfeitamente integrados na sociedade, têm amigos judeus e árabes. Como estou lá há menos tempo, ainda não cheguei a tanto, mas ainda pude presenciar algumas celebrações bonitas com pessoas de outras religiões; também graças a um grupo de futebol do qual faço parte, posso ver com os meus próprios olhos judeus e árabes jogando juntos, sem problemas.

Quando se quer mesmo bem a alguém, deixa-se de ver no outro um judeu ou um árabe, só se vê um amigo de que se gosta. Portanto, um dos elementos que ajuda na convivência é algo que S. Josemaria e também o atual prelado do Opus Dei repetiram muito: a amizade verdadeira, o amor desinteressado por todos os tipos de pessoas. Na minha opinião – posso estar perfeitamente enganado – a amizade é uma das forças mais poderosas que existem. O amor consegue tudo. Então, desculpem o trocadilho, é necessária uma “cruzada” de amizade; mas em todo o mundo, não apenas aqui.

Como estão a ser cuidadas as pessoas da Obra neste momento? Talvez existam pessoas deslocadas ou em áreas de maior conflito... Como transmitir-lhes o carinho familiar em situações tão difíceis?

Tentamos atender a todos com a maior normalidade possível, mas é verdade que alguns da Obra (árabes) não quiseram sair de casa no início da guerra, por medo. Portanto, eles são acompanhados por telefone ou por outras ferramentas de comunicação.

No norte do país não temos centro, por isso atendemos normalmente as pessoas da Obra de Jerusalém. Todos os fins de semana, um padre e muitas vezes um leigo viajam a Haifa ou a Nazaré de carro para visitar familiares e amigos. Também durante a guerra? Sim, mesmo no primeiro fim de semana da guerra também foram atendê-los. A verdade é que admiro bastante quem viajou para o Norte. Mas disseram que estavam acostumados a viver assim e que nada aconteceria. E, graças a Deus, nada lhes aconteceu.

E, claro, estamos muito preocupados que eles estejam a salvo dos bombardeamentos, que as suas famílias estejam bem, etc.

Jorge, con su equipo de fútbol, en el que juegan judíos y árabes
Jorge, com a sua equipa de futebol, onde jogam judeus e árabes.

E entre nós, que moramos em casa, procuramos não falar muito sobre isso porque tentamos fazer com que os outros se divirtam, principalmente aqueles que estão menos habituados ou têm amigos envolvidos na guerra. Procuramos ser positivos e ver as coisas com uma visão sobrenatural (como nos disse o Prelado) e graças às vossas orações vamos conseguindo.

No início da guerra, um dos residentes da casa, que não é da Obra, disse: “Estou feliz por estar a morar convosco nesta casa e não em outro lugar”. Mais uma vez fica demonstrado que um ambiente familiar, repleto de afeto, é o melhor para a saúde mental, espiritual e física.

Podes contar-nos algo sobre o centro de interpretação Saxum promovido por fiéis, cooperadores e amigos do Opus Dei na Terra Santa? Tem atividade atualmente?

As atividades com peregrinos previstas até ao final do ano foram canceladas. O que se segue dependerá da evolução do conflito e de quando as companhias aéreas estrangeiras retomarem os voos. E em relação ao Saxum Visitor Center, foi temporariamente fechado porque não há peregrinos; mas acabou de reabrir. É um centro onde o diálogo e o interesse pelo cristianismo são palpáveis, também entre os não-cristãos, e onde está comprovado que há muitas pessoas que querem a coexistência e a paz.

Os meios de comunicação difundem continuamente notícias do conflito, mas vivê-lo no terreno é muito diferente. Que mensagem darias a quem vê o conflito num ecrã?

Eu diria muitas coisas... primeiro, que rotular uns e outros não contribui para a paz de nenhum conflito em geral. Tenho a impressão de que hoje em dia “rotular” é sinónimo de “colocar em lados opostos”, e é difícil resolver conflitos assim. E segundo, temos que confiar em Deus, nós que somos Seus filhos amados; que possamos afogar o mal em abundância de bem; que preenchamos o dia com atos de reparação; que possamos também consolar Deus com a nossa santidade. Pode ser “teologia de bairro”, mas o coração de Deus Pai deve estar a sofrer – ainda mais do que nós – vendo como os Seus filhos se destroem uns aos outros.

Poderias dar-nos uma razão de esperança na paz e um valor bonito e positivo da Terra Santa, para que não vejamos a região apenas como um enclave de violência?

É claro que a Terra Santa é um lugar onde a fé é palpável, especialmente em Jerusalém. Todos os anos, centenas de milhares de pessoas viajam para encontrar Jesus que vive. Só Deus sabe quantas pessoas se encontraram cara a cara com Jesus – eu testemunhei algumas – ou quantas pessoas voltaram ao Pai como o filho pródigo. E as que virão.

Muitas, muitas pessoas viajam à Terra Santa, pessoas de todo o mundo. Muitas vezes tive a oportunidade de ir à Missa no Calvário e de me juntar a grupos de peregrinos que celebram a Missa nas suas próprias línguas. Comove-me assistir a estas missas em todas as línguas e ver pessoas tão diferentes abraçando o mesmo amor a Deus. Já me “habituei”, em parte, a assistir à Missa no Calvário, e às vezes olho discretamente para as pessoas que me rodeiam e consigo ver realmente como o Senhor está a atuar nelas. “O braço de Deus não se tornou mais curto”, como dizia S. Josemaria, citando um trecho da Bíblia; e hoje há milagres, ainda há milagres na Sua terra.

Por último, as pessoas que vivem nesta zona – as pessoas comuns daqui – têm valores que me impressionam muito e das quais temos que aprender: o amor e a devoção à família, e um elevado valor da honra, tanto individual como coletiva.